São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
Próximo Texto | Índice

Centro fora do eixo

Um governante perde popularidade e vê indiciados ex-colaboradores da sua campanha eleitoral. Sem apoio suficiente no Congresso, em meio ao mandato já enfrenta o início da campanha sucessória. Também não consegue equilibrar as contas públicas. E nas relações externas, amarga a desvalorização de sua moeda, sucessivos déficits comerciais e perda de prestígio diplomático. Seus principais assessores são acusados abertamente de enviesar políticas públicas em favor de interesses privados. Finalmente, ele renega a plataforma da campanha e adota abertamente as propostas da oposição, tentando equilibrar-se em meio à crise.
É um retrato amargo. No mundo real, raras vezes terão os homens públicos reunido tantas dificuldades e dissabores ao mesmo tempo. Mais inquietante, porém, é que o sujeito dessa má fase não é brasileiro, filipino ou húngaro, mas ninguém menos que o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.
A aprovação à sua gestão caiu sete pontos nas últimas duas semanas, para 42%. A disputa pela sucessão já está nas ruas. Um banqueiro que lhe deu suporte na campanha acaba de ser indiciado nas investigações que ainda estão em curso sobre o caso Whitewater.
Robert Rubin, o secretário do Tesouro norte-americano, é acusado de querer ajudar o México para favorecer uma instituição financeira a que foi ligado antes de assumir o cargo. E a assessoria do presidente é acusada de ter sido avisada em pelo menos três ocasiões da iminência da crise mexicana. Por 407 votos a 21, o presidente será obrigado a comparecer ao Congresso para explicar a decisão de oferecer fundos de emergência ao México.
Não espanta, nesse contexto, que o dólar esteja batendo recordes no pós-guerra de desvalorização frente ao iene e ao marco. O Fed (banco central dos EUA) interveio três vezes no final da semana passada para tentar fortalecer a moeda norte-americana, apoiado por mais de uma dezena de bancos centrais de países da Europa e do Japão. Nem assim foi possível revalorizar o dólar nos mercados internacionais.
Diversas explicações econômicas são oferecidas para o enfraquecimento sem precedentes da moeda norte-americana: do apoio (agora em discussão) ao México ao aumento do déficit comercial dos EUA. Mas é preciso lembrar o rosário de agruras políticas, econômicas e pessoais de Clinton para avaliar a verdadeira dimensão da crise.
Certamente ainda há problemas graves na periferia. Passou a euforia dos que acreditavam no fim da História, na solução irreversível dos problemas econômicos através da liberalização geral e irrestrita dos mercados, no caráter inevitavelmente terapêutico da globalização.
A internacionalização é um fato irreversível. Mas o homem que afinal representa o centro desse enorme poder globalizado parece ter perdido o próprio eixo. E tudo que gira sem eixo fixo e certo na realidade cambaleia. E pode cair.

Próximo Texto: Hora de ousar
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.