São Paulo, domingo, 5 de março de 1995
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Bom dia, minoria atrasada

HELOISA HELVECIA

A ciência avança a favor dos atrasados. Quem dorme e acorda mais tarde que a maioria das pessoas já pode sonhar com mais horas de sono, horários alternativos em escolas e empresas, respeito às diferenças biológicas e fim da ditadura do relógio

Boêmio vírgula, preguiçoso muito menos. Estatísticas internacionais mostram que 5% da população precisa de dez ou mais horas de sono por dia. Outros 5% se satisfazem com até seis horas e a maioria está na faixa entre seis e dez horas —é para essa turma que a divisão convencional entre vigília e sono faz mais sentido.
Na fase adulta, os dorminhocos se atrapalham com compromissos de trabalho no início da manhã. Quando jovens, provavelmente perderam quase todas as primeiras aulas da faculdade: é na adolescência que se dá a definição do ritmo biológico.
Para a ciência, a minoria atrasada, perseguida e quase sempre culpada não é boêmia nem preguiçosa, mas "vespertina". A cronobiologia, que estuda os ritmos da vida, divide os cronotipos em matutinos (dormem cedo e acordam cedo), matutinos moderados, indiferentes (flexíveis, se adaptam a qualquer horário —a maioria da população), vespertinos moderados e vespertinos puros (veja quadro nesta página).
Ciência moderna, a cronobiologia vem questionando a ditadura de uma organização social do tempo que, no geral, atrapalha a produtividade e a qualidade de vida dos vespertinos.
Na França, o país mais avançado na área, o ministério da Educação estuda, junto com especialistas, a alteração dos turnos escolares. A idéia é fazer com que os alunos escolham os horários adequados aos seus ritmos biológicos e rendam mais.

ZUMBIS À SOLTA
Não há capacidade de raciocínio que resista à falta de sincronia entre o ciclo individual e o ciclo social. E não há saúde que resista aos efeitos de um estado crônico de privação do sono: o "grande dormidor", na tentativa de seguir o ritmo da maioria, acaba repousando menos do que necessita. Como resultado, apresenta fadiga (sensação de cansaço permanente) e sonolência diurna. Quem não conhece um zumbi que só vira gente depois das dez da manhã?
A falta de sono tabém desencadeia irritabilidade, que pode evoluir para crises histéricas e psicóticas. Outras sequelas são os distúrbios gastro-intestinais (úlcera é o mais comum) e cardiovasculares (como hipertensão).
"A pessoa com propensão a ser vespertina tende a buscar áreas profissionais mais maleáveis em termos de horário. Caso contrário, terá problemas a vida toda", diz o médico John Fontenele Araújo, pesquisador do departamento de Cronobiologia da USP.
O mesmo acontece com um matutino típico, cujo relógio biológico regula com o das galinhas: esse tipo jamais venceria como garçom de bar.

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