São Paulo, terça-feira, 7 de março de 1995
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Governo privilegiou contas externas

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

A nova política cambial do governo permitiu ontem uma imediata desvalorização de 2,8% do real em relação ao dólar. E indicou que essa desvalorização pode, e provavelmente, será maior, num processo gradual.
Com essa decisão, o governo resolveu um dilema em que estava metido desde a crise do México: sustentar o real valorizado, e correr o risco de ter um déficit arrasador nas contas externas, quando o real seria desvalorizado em meio à crise cambial; ou desvalorizar o real já, organizadamente, e correr o risco de enfrentar uma inflação maior e, em consequência, uma deterioração no apoio político ao Plano Real.
Ou seja, o governo tratou de garantir que as contas externas estarão sob controle e, que, portanto, o país não ficará sem divisas para pagar seus compromissos externos, como ficou o México.
O real desvalorizado estimula exportações, pois os exportadores recebem mais reais pelos dólares que obtêm lá fora. Inversamente, desestimula importações, ao torná-las mais caras.
Ao explicar as novas medidas, o presidente do Banco Central, Pérsio Arida, disse ontem que a nova política cambial dá "flexibilidade ao governo para evitar problema no front externo".
Acrescentou que o governo estava se prevenindo e criando as condições para evitar um "déficit expressivo" nas contas externas. Recusou-se a especificar o que entendia por "expressivo", dizendo que o critério muda conforme as circunstâncias.
Até aqui, manifestações oficiais e extra-oficiais do governo consideravam tolerável um déficit nas contas-correntes externas de até 2% do Produto Interno Bruto, isto é, de até US$ 10 bilhões. Isso seria compensado com entrada de capitais e uso das reservas do BC.
Mas esses números eram citados quando a cotação do dólar variava entre R$ 0,83 e R$ 0,86. Agora, a cotação de R$ 0,86, que era o teto da banda de variação, tornou-se o piso da nova política. As novas cotações mudam necessariamente todas as previsões para o setor externo.
Em compensação, o real desvalorizado estimulará aumento de preços. Mas não dá para saber desde já de quanto será o aumento.
O fator econômico é o mais imediato. Se a cotação chegar ao ponto máximo da banda já anunciada pelo BC, o dólar será negociado nos próximos dois meses a R$ 0,90. Isso é um aumento de quase 6% em relação à cotação média de R$ 0,85. Assim, tudo que é importado passa a custar 6% mais caro.
Esse aumento não é fatal. Depende do mercado. Se continuar acirrada a competição, os vendedores poderão absorver aumentos de custo reduzindo suas elevadas margens de lucro. Mas se a demanda continuar muito aquecida, a probabilidade de aumento de inflação é maior.
Pode-se esperar, portanto, que o governo vai tomar medidas para segurar o consumo.
O problema político da inflação está nas estatais, que certamente vão reivindicar o aumento de preço de tarifas. A variável-chave aqui é a Petrobrás.
Pérsio Arida afirmou que não haverá motivos para inflação por conta da nova política cambial. Explicou que a maioria dos preços em vigor foi fixada na entrada do Plano Real, ou na época da URV, quando a cotação era de um real para um dólar.
Feita essa parte, o governo terá de observar o mercado. Fortes elevações de preços e uma subida muito rápida da cotação do dólar indicarão luz vermelha - sinal de desconfiança forte no Plano Real.

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