São Paulo, quinta-feira, 9 de março de 1995
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Turismo: melhorando o status

MOACYR SCLIAR

Não há dúvida: os brasileiros descobriram os Estados Unidos. Não só descobriram, como estão tratando de transferi-lo para cá: compram tudo o que podem, desde aspirina até computador. As consequências disto não tardaram.
Surgiu uma quantidade incrível de agências de viagem, com uma variedade imensa de excursões. Naturalmente, a competição é feroz, e os agentes precisam usar a imaginação para prometer vantagens não cogitadas.
Outro dia, encontrei um desses agentes, que estava muito entusiasmado com seu novo plano.
— É uma espécie de "upgranding" de hotéis.
"Upgranding", para quem não sabe, é o processo pelo qual as companhias aéreas transferem um passageiro da democrática, mas incômoda, classe turística, para a primeira classe. O nosso agente queria fazer o mesmo com hotéis, ou seja, passar os excursionistas para um estabelecimento bem melhor. Agora, "upgranding" de hotéis é uma coisa bem mais difícil e foi o que eu disse para ele. Sorriu, misterioso:
— Não para mim. Já bolei um jeito.
Não parecia disposto a revelar seu segredo —a espionagem turística é tão ruinosa quanto a espionagem industrial— mas eu tanto insisti, que ele me contou, mediante a promessa de que eu não revelaria a ninguém a conversa, promessa que agora estou descumprindo.
— Seguinte: alojo o pessoal hum hotel modesto, desses que não cobram muito, mas que esteja situado perto de um outro estabelecimento, luxuoso. Aí, crio as condições para a transferência...
Condições para a transferência? Ele hesitou um pouco e explicou:
— É lógico que isto só pode ser feito numa emergência. Um incêndio, por exemplo.
Claro, isto me deixou horrorizado, mas ele se apressou a acrescentar:
— Não precisa ser um incêndio grande. Um começo de incêndio. Um foguinho qualquer. Os americanos têm muito medo dessas coisas, de modo que qualquer fumacinha é motivo de alarme.
— E daí?
— Aí o pessoal sai correndo. Se fizer muito frio, o que não é raro nesta época do ano, e eles estiverem mal vestidos —roupa de baixo cria uma situação dramática— ninguém vai deixá-los na rua. Qual a solução? O hotel mais próximo. Está feito o "upgranding".
Eu achei um pouco drástica a manobra, mas ele acabou confessando: era brincadeira:
— O Waldorf Astoria nunca aceitaria hóspedes nestas condições.
Mas aceitou, como se vê pela notícia. O que permite uma de várias conclusões: 1) Há mais maneiras de se fazer um "upgranding" do que sonha a nossa vã filosofia; 2) O Waldorf Astoria é muito mais acolhedor do que a gente pensa; 3) A realidade às vezes imita a ficção.
Escolham a sua alternativa predileta e boa viagem.

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