São Paulo, quinta-feira, 9 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Resistência ao planejamento

JULIO SERSON

Ainda bem que todos os prognósticos sobre o crescimento das migrações e o número de habitantes de São Paulo sofreram uma significativa reversão, senão, o inchaço populacional também daria dimensão ainda maior ao caos vivido recentemente pela cidade com as enchentes. As soluções urbanas adotadas em São Paulo são todas de curto prazo e carecem de visão de planejamento de médio e longo prazos.
Na realidade, São Paulo acaba criando um Plano Diretor para cada gestão municipal. Quando o governo muda, as propostas definidas para o futuro urbano da cidade sofrem alterações, porque os olhos de um prefeito poucas vezes se voltam para o mesmo ponto enfocado por seu antecessor. Em alguns casos, os cidadãos ganham, se o administrador tiver a competência de Faria Lima, que elaborou um Plano Urbanístico Básico para São Paulo. Mas, na maioria das vezes, a população perde. Por isso, o plano Diretor da cidade deveria ser uma espécie de Constituição do Planejamento Urbano, dotado de regras pétreas, às quais caberia a cada prefeito cumprir, sem modificar de acordo com seus interesses.
O crescimento urbano desordenado resultou em exemplos bem reais para o paulistano, como o caos recente vivido pela cidade com as enchentes, mas embute outros absurdos folclorizados pelos arquitetos. É o caso da periferia da zona sul de São Paulo, onde o crescimento desorientado chegou a inviabilizar a construção de uma rede de esgoto porque não havia espaços para cavar galerias. O planejamento urbano em São Paulo não pode mais estar limitado a interesses políticos, mas deve acompanhar a realidade e a complexidade dos problemas da cidade, levando em conta até mesmo a possibilidade de a cidade ser transformada numa região urbana contínua, envolvendo outros municípios.
A idéia de que São Paulo não pode parar de crescer tem de ser arquivada e trocada por outra mais racional —São Paulo tem de saber como e para onde pretende crescer. Só com o planejamento, a cidade não será novamente sitiada pelas enchentes, decorrentes do crescimento desordenado, que levou populações inteiras a ocupar áreas de mananciais, trazendo prejuízos ainda não de todo mensuráveis. Um programa de uso e ocupação do solo tem de ser debatido com urgência, deixando de lado interesses políticos.
Sem crescimento ordenado, a cidade cresce também para as margens de rios e córregos. A canalização vem sendo uma solução, porém, demanda altíssimos recursos e se mostra paliativa, à medida que a água tem de ser escoada em algum ponto. Essa alta densidade populacional sem planejamento também levou à impermeabilização excessiva do solo, outro fator que contribui para sustentar as enchentes e o represamento das águas. A cidade precisa de mais verde e menos cimento, demonstrando a simplicidade da tese de que uma solução para São Paulo está na sua humanização. A esses problemas, soma-se ainda o do assoreamento de rios e córregos, obstruídos pelo lixo e entulho de décadas, despejadas por cidadãos e empresas. Permanece a cultura de que é mais fácil e barato jogar no rio do que pagar ou pedir um transporte público. Somente através de novas e eficazes normas de controle será possível reverter esta prática.
O planejamento urbano não passa somente pelo traçado das vias públicas, implica em política muito mais ampla e não pode ficar ao sabor do interesse de cada administração que assume o comando de São Paulo. A cidade vem queimando etapas importantes de crescimento sem uma discussão seletiva sobre o planejamento urbano. As contradições da cidade têm de ser pensadas, olhando para o futuro e dentro de padrões racionais de ocupação do solo urbano, acompanhada das devidas obras viárias, saneamento básico, infra-estrutura e preservação de áreas verdes.

Texto Anterior: Turismo: melhorando o status
Próximo Texto: Gerente é preso por crime contra economia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.