São Paulo, quinta-feira, 9 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A guerra dos egos e o câmbio

LUÍS NASSIF

A crise cambial dos últimos dias foi fabricada por um misto de amadorismo e de egotismo. Há um conflito latente no Banco Central, entre seu presidente Pérsio Arida e o diretor da área internacional, Gustavo Franco. Não se dão desde os tempos em que Arida era o professor-prodígio e Franco o aluno-prodígio da Economia da PUC/Rio.
Ambos são intelectuais competentes, mas o cargo que ocupam é resultado da falta de critérios do presidente da República, que não aprendeu a diferenciar aptidão intelectual de funções operacionais.
Chefiar pessoas, gerenciar estruturas e tomar decisões é ciência complexa, que nada tem a ver com o brilho e o preparo intelectual do responsável. O ex-ministro Mário Henrique Simonsen sempre foi um gênio intelectual, e um desastre operacional.
Arida passou pelo BC em 1986, pelo BNDES no ano passado, voltou este ano para o BC. Em todas as funções demonstrava um enorme enfado para tratar com pessoas e com temas do cotidiano. Preferia se isolar em sua sala, pensando em temas macroeconômicos.
De seu lado, Franco tem um pouco mais compatibilidade com coisas práticas. Mas foi colocado numa função que não se aprende na escola. O mercado de câmbio e de taxas é um enorme cassino, que exige sangue-frio, objetividade, experiência, domínio de linguagem e até uma certa truculência para tratar com seus agentes.
São as pessoas certas para os lugares errados. O pior é que são os cargos mais críticos da República no momento, devido à crise financeira e cambial.
Em dezembro foi um tiroteio sem fim entre ambos, na disputa em torno da formação da diretoria do BC. A equipe original de FHC —Franco, Bacha e Fristch— declarou guerra contra os "de fora". E incluía Arida nessa relação. E Arida, que chegou depois, considerava, com razão, que não fossem os que vieram depois, não sairia nem Real, nem eleição.
Com o bom-mocismo que lhe é peculiar, o presidente chamou a ambos, sugeriu-lhes paz e lotou-os no BC —Arida chefiando Franco, mas sem poder demiti-lo.
A consequência foi que Arida partiu para uma política de desgaste, que se manifestou em várias ocasiões. Na sua posse, sequer citou o nome de Franco, que lhe transmitia o cargo na condição de presidente interino do banco. Recentemente, vetou sua presença em um seminário de câmbio —provocando rumores inúteis no mercado sobre sua demissão.
O desastre dos últimos dias —que consumiu centenas de milhões de dólares da reserva cambial, e muitos pontos na credibilidade do plano— foi fruto exclusivo dessa mal resolvida disputa de egos.
Na reunião com a imprensa na segunda, e com os "dealers" na terça, ambos fizeram questão de falar. Havia uma mal disfarçada disputa pela paternidade da nova política. Em câmbio, uma declaração objetiva dá margem a mal-entendidos. Duas destoantes criam uma torre de Babel.
Os "dealers" sentiram insegurança nos conhecimentos técnicos de Arida, exploraram as declarações de Franco, e fizeram o carnaval.
O movimento foi agravado pelo fato de o mercado desconfiar que algumas instituições poderiam estar "operando" informações privilegiadas, já que uma delas —ligada à nova classe mencionada no domingo pela coluna— comprou câmbio pesadamente na sexta-feira —portanto, sem nenhuma relação com os desencontros de segunda.
É antipático dar conselhos, mas a coluna reitera ao presidente duas recomendações que já expressou várias vezes:
1) Estatize o BC e isole-se da nova classe.
2) Coloque profissionais tarimbados na condução da política cambial.

Em tempo
A política cambial é aquela descrita pela coluna de terça: a banda é para valer e o dólar a R$ 0,93 em 3 de maio é para valer. O que o BC quer é que o dólar caminhe diariamente acompanhando a variação do CDI. E que o mercado interfira sempre que ele sair dessa linha.

Texto Anterior: Fenatec vai gerar negócios de US$ 1,5 bi
Próximo Texto: Argentina estuda novas medidas para salvar bancos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.