São Paulo, quinta-feira, 9 de março de 1995
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A expansão oculta da indústria

CARLOS EDUARDO MOREIRA FERREIRA

A atividade industrial em São Paulo vem demonstrando maior vigor nos últimos dois anos, tendo crescido mais de 20% em relação a 1992, segundo os levantamentos da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Em termos nacionais, acrescenta o IBGE que a produção da indústria bateu um recorde histórico ao crescer em dezembro último, em relação ao mesmo mês do ano anterior, nada menos de 17,2%.
Trata-se de números que impressionam. Deve-se levar em conta, porém, que a produção industrial voltou a crescer a partir de bases modestas, depois de mais de dez anos de estagnação da economia brasileira. Ela está ultrapassando agora índices de atividade que havia atingido, esporadicamente, na febre pós-Plano Cruzado de 1986 e no Plano Verão de 1989.
Desta vez, o feito realmente espetacular que a indústria tem conseguido, e cujo alcance ainda não foi totalmente apreciado, é que as empresas têm aumentado a sua produção simultaneamente com quedas reais nos preços de seus produtos. A indústria tem conseguido manter preços competitivos ao longo de todo o ano de 1994 e particularmente após o Plano Real.
Em dezembro do ano passado, relativamente ao mesmo mês de 1993, os preços industriais, em termos reais, registraram queda de 14%. A indústria tem oferecido ao mercado consumidor preços cada vez mais competitivos, como mostram os dados da Fundação Getúlio Vargas. Em alguns setores, como o da indústria química, por exemplo, o índice real de preços chegou a cair 24% no período analisado.
Ao contrário do que muitos pensam, níveis mais elevados de produção e preços mais reduzidos estão intrinsecamente ligados e podem ser explicados por três fatores: retomada de investimentos, abertura comercial e maior utilização da capacidade instalada.
Uma análise mais detalhada do comportamento das indústrias revela que o aumento de produção tem ocorrido num nível tecnológico mais avançado, de uma forma que poderíamos chamar auto-sustentada, sem recorrerem elas a novos e grandes investimentos que implicassem a construção de novas plantas.
Essa constatação leva a conclusões importantes. Pressionadas pela concorrência externa e com o objetivo de atender ao aumento da demanda, as fábricas paulistas investiram na compra de máquinas e equipamentos mais modernos e ganharam espetacularmente em produtividade nos últimos anos, colocando no mercado mais e melhores produtos, com o uso mais eficiente de insumos e mão-de-obra. Houve de fato um notável salto tecnológico, como confirma o número de mais de 500 indústrias nacionais com certificados de qualidade do tipo ISO 9.000.
Como gosta de observar um industrial que frequenta as reuniões plenárias da Fiesp/Ciesp, "tudo muda dentro de uma fábrica quando se sente o cheiro das grandes encomendas. De repente, aparece a necessidade de aumentar a produção sem investir muito, um bom problema que o pessoal do chão de fábrica tem prazer profissional em resolver", conta ele.
A tese aqui defendida é que o comportamento favorável dos preços industriais foi possível pelos ganhos de escala de produção da indústria, propiciados pelo aumento de demanda, pela expansão e modernização passo a passo das fábricas (um processo lento e gradual que evitou os grandes investimentos de capital de que a indústria, teoricamente, estaria necessitada depois de dez anos de estagnação) e pela abertura comercial.
Pode-se dizer que a indústria paulista encontrou um jeitinho à brasileira para expandir-se sem investir maciçamente. Este é um fenômeno que está acontecendo agora, sob os nossos olhos. Alguns analistas o consideram uma fase de transição, enquanto a indústria aguarda que, finalmente, se desenvolvam os meios de financiar a retomada do desenvolvimento no Brasil, a juros de nível internacional. Afinal, essas injeções de capital seriam desejáveis e com elas a indústria paulista conseguiria rapidamente grandes saltos em sua capacidade de produção.
Infelizmente, como todos sabemos, o custo do capital no Brasil, a qualquer prazo, é intoleravelmente alto para uma empresa industrial nacional. Por enquanto, as empresas que vêm anunciando nova fase de grandes investimentos no Brasil, especialmente as multinacionais, são as que dispõe de financiamento ou recursos próprios.
Mas é importante destacar que essa fase de transição depende de uma escala de produção maior, de uma demanda por produtos industriais que coloque as fábricas trabalhando a todo vapor, em nível ótimo de eficiência de sua estrutura. Daí porque é válida a advertência, a ser dirigida ao governo, de que não deveria, neste momento, comprimir o consumo.
Paradoxalmente, contrair a demanda poderia, ao contrário do que esperaria o governo, provocar o aumento de certos preços industriais. Por quê? Porque a indústria, diante de um mercado novamente encolhido, perderia os seus ganhos de escala e enfrentaria custos maiores de produção.
O que o governo deve levar em conta é que a indústria brasileira, sob o estímulo benéfico da estabilização, está agora, de modo quase escondido, realizando um novo salto de crescimento auto-sustentado, para alcançar patamares de produção ainda inéditos no Brasil.

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