São Paulo, quinta-feira, 9 de março de 1995
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Petrobrás, o preço do sucesso

RAYMUNDO DE OLIVEIRA

Não se pode olhar o mundo de hoje com os olhos de ontem. Muita coisa mudou e mudou profundamente!
Caiu o Muro de Berlim, acabou a União Soviética, as comunicações tornaram o mundo muito menor. Quem pensar em se isolar está morto, superado, sem qualquer espaço.
Neste quadro avança o chamado neoliberalismo em toda parte. O Estado seria a causa de todos os males, coloca-se o mercado no altar supremo, a livre empresa resolveria todos os problemas do mundo.
Entretanto, ao sul do Equador o quadro não é bem esse. Nessa área, a enorme maioria da população está fora do mercado, abaixo do nível de miséria absoluta, sobrevivendo das migalhas caídas das mesas dos ricos. Ricos de fazer inveja aos ricos do Primeiro Mundo. É difícil acreditar que o simples jogo do "livre" mercado possa resolver a situação dos milhões que nem do mercado participam. Aqui o Estado, o planejamento estatal, é fundamental para superar o que a mão invisível do mercado não fará sozinha.
No Brasil tem havido de tudo: desde o Estado a serviço dos grandes grupos até o Estado desenvolvimentista, gerador de riquezas, instrumento de justiça social e soberania nacional. Aqui não vale o maniqueísmo do tudo ou nada, ou Estado privatizado ou Estado socialista.
Uma visão neoliberal em nossa terra, estou certo, vai destruir o lado positivo do Estado e deixar a imensa maioria, sem condições, ao livre jogo do mercado.
Um exemplo marcante passa pela Petrobrás. Temos tido empresas públicas atrasadas, ineficientes, cabides de emprego, instrumentos do mais torpe clientelismo. Nada disso atinge nossa Petrobrás: respeitada mais no exterior que no Brasil. Uma história de sucesso.
Paga, hoje, o preço do sucesso, do ódio, do exemplo que oferece de que uma empresa pública pode e deve ser eficiente, tecnologicamente avançada, produzindo e acompanhando o estado da arte em sua área. É visada pelos inimigos de nosso povo e pelos mal-informados, mesmo que honestos, vítimas da campanha diuturna de desinformação de que é alvo nossa maior empresa.
O monopólio estatal de petróleo tem sido o grande instrumento dessa vitória. Hoje, no mundo, ou o petróleo é estatal ou é dominado pelas Seis Irmãs. Não pense que o fim do monopólio vai abrir espaço para o João das Couves explorar petróleo, construir refinaria, importar petróleo dos árabes. A opção é: monopólio estatal ou oligopólio das Seis Irmãs.
Saibam que a Petrobrás entrega derivados às distribuidoras a preço compatível com as melhores do mundo e que o preço final, pago na bomba, é acrescido de impostos e taxas sobre os quais a Petrobrás não tem qualquer influência ou lucro.
Saibam que a Petrobrás veio a descobrir petróleo em águas profundas, nas costas de Campos, Estado do Rio, há mais de 100 km da costa, com lâmina d'água de centenas de metros, tendo hoje o recorde mundial em produção em águas profundas, com tecnologia desenvolvida em nosso Brasil.
Saibam que a Petrobrás não recebe um tostão do governo e que, ao contrário, paga seus impostos e royalties com o produto da venda de seus serviços e produtos.
Saibam que a Petrobrás investe com recursos próprios e que se tivesse mais liberdade de ação com os recursos que ela mesma produz o país já poderia ser auto-suficiente em petróleo.
Saibam que a decisão de produzir mais ou menos petróleo, além de técnica, é sobretudo uma decisão política, pois o petróleo, hoje, está relativamente barato, com o preço estável há anos, além de que, sendo produto não renovável, deve-se pensar em seu uso futuro na petroquímica, mais do que como simples combustível.
Saibam que a escolha do Estado do Nordeste, onde deverá ficar a nova refinaria de petróleo, não é uma pura decisão técnica, e é justo que assim não seja, porque envolve decisão quanto ao modelo de desenvolvimento. Deveria ela ficar próxima aos centros produtores, beneficiando o Rio Grande do Norte, ou junto ao centro consumidor, beneficiando Pernambuco? Deveria ela ficar mais ao norte fortalecendo a integração de nossas economias, beneficiando o Maranhão, ou num ponto mais central do Nordeste, beneficiando o Ceará?
Saibam que deixar para as empresas privadas multinacionais a escolha do local é permitir que os Estados entrem num processo de leilão, cada um oferecendo mais para a construção da refinaria em suas terras, garantindo desde terreno de graça até isenção de impostos, como tem sido a tradição de ofertas dos governos estaduais para atrair grandes investimentos para seus Estados. Isso é melhor para o país?
Por outro lado, com tanta coisa a ser feita no país, tanto defeito a ser corrigido em nossa administração pública, vai-se começar pela Petrobrás, que inegavelmente está dando certo. É esquisito!
Provavelmente, muito do que foi colocado é novidade para quem está lendo; é difícil conseguir espaço para defender nossa maior empresa. Hoje as grandes empresas de petróleo aceitariam até perder um pouco, localmente, para abalar a Petrobrás, um patrimônio, um exemplo de que o Estado tem um papel inegável numa economia atrasada como é a nossa.

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