São Paulo, quarta-feira, 15 de março de 1995
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Cineasta nigeriano recupera cultura ioruba

LÚCIA NAGIB
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O país mais populoso da África, a Nigéria, teve participação escassa no último Fespaco (Festival Pan-Africano de Cinema de Uagadugu), encerrado no dia 5 de março, devido ao caos político que enfrenta com o atual regime militar.
O veterano Ola Balogun, um dos pioneiros do cinema de seu país, apresentou, fora de competição, seu último documentário, "A Magia da Nigéria" (1993). Nele, os ritos e lendas ioruba são recuperados como fonte histórica para a compreensão da estrutura da sociedade nigeriana contemporânea.
Desde os anos 60, Balogun participou ativamente dos movimentos nacionais de independência, com filmes marcadamente políticos, e foi um dos primeiros a adotar no cinema uma língua indígena (o ioruba). Sua pesquisa da cultura ioruba trouxe-o mesmo até o Brasil, onde realizou, em 1978, "A Deusa Negra".
Hoje, no entanto, Balogun também parece desanimado com a situação de seu país, onde muitos artistas e intelectuais vêem-se paralisados, em face da repressão. O nome internacionalmente mais conhecido do país, o Nobel de Literatura Wole Soyinka, foi forçado a refugiar-se em Paris para escapar à prisão iminente.
Residindo, como Soyinka, em Paris, Balogun se confessava deprimido em Uagadugu, raramente saindo do seu quarto de hotel. Numa de suas breves aparições, concedeu esta entrevista à Folha, que contou também com a participação do professor e crítico nigeriano de cinema e literatura, Onookome Okome.

Folha - Em seu filme "A Magia da Nigéria" você fala a certa altura das estruturas democráticas das tribos ioruba. O que quer dizer com isso?
Ola Balogun - Refiro-me à democracia tal como existiu na África antes da intervenção colonial. Trata-se de um governo por consenso, no qual todos se unem em torno de uma palavra ligada às raízes. A partir daí, vão se definindo os níveis da organização social.
Folha - Mas nesse conselho as mulheres, por exemplo, não são admitidas.
Balogun - As mulheres têm suas próprias organizações. As sociedades tradicionais estão organizadas em dois níveis: o territorial (as aldeias, os clãs, as subtribos, as tribos); e o nível social e profissional (as mulheres mercadoras, os caçadores, os pescadores). E há também as organizações por idade.
Folha - Minha questão é em que medida essa democracia tribal poderia ser um exemplo para o sistema político da Nigéria hoje.
Balogun - Penso que se devem extrair elementos daquilo que uma vez existiu no passado para a partir deles construir uma estrutura moderna. Você não pode simplesmente transferir essas estruturas para o presente, é preciso adaptá-las. Hoje há sindicatos e outras instituições que precisam ser incluídas no modelo democrático. Folha - Há algo muito óbvio no cinema nigeriano de expressão inglesa, especialmente no seu e de Ladi Ladebo: os filmes são politicamente conscientes, no entanto não alcançam popularidade. Como seria possível tornar esses filmes populares, diante do regime militar no país?
Balogun - Em primeiro lugar, é preciso observar as estruturas de distribuição existentes e como os filmes são financiados. Muitos estão fazendo filmes agora no formato de vídeo, porque esse é o meio mais fácil de chegar ao público. Filmes nas línguas indígenas tendem a ter um apelo maior às raízes populares do que os falados em inglês.
Folha - O que você acha dessa onda de filmes ioruba que tem inundado o mercado com magia e feitiçaria?
Balogun - É uma questão de como se consegue financiamento. Se o financiamento depende estritamente da resposta do público, os diretores naturalmente se tornam mais sensíveis para aquilo que o público quer. E o fato é que nosso público ainda gosta de magia e esse tipo de coisas. Trata-se então de encontrar fontes adicionais de financiamento, que dariam maior independência ao cineasta.
Folha - Em 1984 você deu uma entrevista na qual afirmava que o público nigeriano não era suficientemente sofisticado para entender seus filmes. Como você colocaria essa questão agora, diante desses "cineastas" do vídeo, que seguem exclusivamente o apelo popular?
Balogun - Não creio que eu tenha colocado as coisas nesses termos. De todo modo, não há nada de errado em produzir vídeos em vez de filmes, se essa é a única saída. Por isso não posso desprezar esses diretores, mas diria que há públicos diferentes na Nigéria. O cinema ioruba atrai um determinado público, enquanto os filmes em inglês atraem um público menor, mas mais variado.
Folha - Gostaria de ouvir um pouco sobre o filme que você fez no Brasil, "A Deusa Negra". Como começou sua relação com o Brasil?
Balogun - O filme foi produzido por Jece Valadão, fizemos um esquema de co-produção entre o Brasil e a Nigéria. E eu fui forçado a aprender português, porque ninguém na equipe falava inglês ou francês.
Folha - Foi no período logo após o Cinema Novo. Você teve contato com os diretores do Cinema Novo e com o estilo de filmagem que eles estavam adotando então?
Balogun - Sim, claro. Mais tarde, trabalhei inclusive com o diretor de fotografia José Medeiros, que foi fotógrafo do Cinema Novo. Mas depois disso, infelizmente, não tive a oportunidade de desenvolver outros projetos com o Brasil.

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