São Paulo, quarta-feira, 15 de março de 1995
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Câmbio e preços

ANTONIO DELFIM NETTO

Quando observamos a produção de um país de pequena importância no mercado internacional, constatamos que ela pode ser convenientemente dividida em duas categorias: uma de bens que podem ser consumidos internamente ou exportados e que competem com os produtos importados e outra, de bens que não podem ser exportados, quer porque são serviços cujo custo de transporte é imenso relativamente ao seu valor, quer porque são culturamente ajustados etc.
À primeira categoria, os economistas chamam de bens "comerciáveis" ("tradable") e à segunda de "não-comerciáveis" ("nontradable").
A importância dessa distinção decorre do fato de que os preços das mercadorias comerciáveis dependem fortemente dos preços externos, ou seja, eles se estabelecem no mercado mundial que é cada vez maior, mais abrangente e mais diversificado.
A diferença entre os preços internos e externos, em moeda nacional, dos bens comerciáveis em regime de liberdade de comércio não pode ser muito diferente do que o custo do transporte e o nível de tarifa alfandegária incidente sobre o importado.
E para os bens não-comerciáveis? Nesse caso os preços são fixados pela oferta e a procura internas, sem referência aos preços externos. É claro, entretanto, que como os mesmos fatores de produção são usados na produção de bens comerciáveis e não-comerciáveis, os preços desses fatores relacionam os dois mercados.
Como um consumidor decide se vai comprar um bem comerciável, digamos um televisor, produzido internamente ou importado?
Em igualdade de qualidade, provavelmente a relação entre os seus preços será o fator decisivo. O preço do importado (digamos US$ 100 na saída da alfândega) será internamente equivalente a R$ 88. Se o preço do televisor nacional for maior (digamos R$ 90), ele prefere o importado. Com a taxa de câmbio 1,0 dólar/real, a preferência recairia sobre o nacional.
É essa mudança de preço relativo que modifica a direção do dispêndio dos consumidores e acaba determinando o saldo comercial.
O ponto importante não é esse, mas sim o que acontecerá com a evolução dos dois preços. Com uma inflação externa da ordem de 2,5% e uma inflação interna da ordem de 25% ao ano, a quantidade de produtos comerciáveis que deixarão de ser exportados ao câmbio arbitrariamente fixado será crescente.
Os técnicos do governo pensam que, com tempo suficiente, esse excesso de oferta interna, juntamente com uma diminuição do nível de atividade, convencerão os trabalhadores a aceitarem uma queda do salário nominal que levará à queda dos preços, consolidando o Plano Real.
"No pasarán" pelo câmbio! Em 1974, até o velho Hayek confessou que não acreditava mais nessa conversa...

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