São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 1995
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Eu só queria entender

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO — O discurso predominante no Brasil é o de que a Previdência quebra se pagar um salário mínimo de R$ 100, combinado com o de que o Estado não tem condições de arcar com o gasto social etc.
Aí a gente começa a ler o noticiário internacional e descobre, entre outras coisas, que o marco alemão está se tornando uma "moeda-refúgio" para situações de crise e/ou incerteza. É uma das razões, embora nem remotamente a única, para o fato de a moeda alemã estar se valorizando continuamente na comparação com o dólar.
Burrinha, a gente começa a ligar uma coisa com a outra e fica imaginando que se o marco alemão é um bom refúgio só pode ser porque, na Alemanha, se estraçalharam os mecanismos de proteção social, os salários são infames, a Previdência social é iníqua e assim por diante.
Aí a gente vai caçar dados e descobre que:
1) O aposentado alemão ganha, no mínimo, 70% do último salário que recebia quando na ativa.
2) Os salários são, na média, dos melhores do mundo. E, não contente com isso, o pessoal do IG Metall, o sindicato dos metalúrgicos, consegue 4% de reajuste salarial, bem acima da inflação e acima até das projeções dos especialistas, que apostavam em no máximo 3%.
Detalhe: o reajuste foi concedido antes da nova corrida para o marco alemão, o que significa que um realinhamento salarial generoso não afetou a moeda.
3) As férias para o trabalhador alemão são de seis semanas.
4) A mulher que preferir cuidar do filho recém-nascido, em vez de trabalhar, ganha um subsídio generoso até que a criança atinja os dois anos de idade.
5) O seguro-desemprego é tão bom que muita gente prefere ficar com ele a procurar trabalho novo.
E vai por aí afora, mesmo sem mencionar o fato de que a Alemanha torrou uma grana imensa para absorver a sua metade falida, ex-comunista. Para simplificar: o modelo de bem-estar social, ao contrário do que diz o discurso predominante, não é inimigo da robustez econômica, refletida na frenética busca pelo marco.
Por que eles podem e a gente não?

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