São Paulo, sábado, 18 de março de 1995
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A marcha da insensatez

FERNANDO BEZERRA

A história brasileira não tem sido, em geral, um exemplo contínuo de perfeita sensatez. É verdade que não encetamos absurdas e tresloucadas aventuras internacionais, como muitas empreendidas por povos bem mais desenvolvidos do que nós.
É possível, comparativamente, qualificar o brasileiro como coletivamente modesto em matéria de insensatez coletiva.
Se examinarmos as linhas mais gerais de nossa história política, podemos afirmar, sem medo de errar, que temos procurado fugir às radicalizações, quando se trata de questões efetivamente decisivas. Ao contrário de outros povos do Ocidente, e mesmo de alguns vizinhos, não nos temos empenhado em guerras cruentas entre nós mesmos.
É certo que, na fase de consolidação da independência, experimentamos choques sangrentos, mas talvez ainda não se tivesse afirmado o autêntico espírito brasileiro. As próprias Forças Armadas estavam sendo constituídas com base em mercenários. Nesse mesmo período, o melhor caminho a seguir seria apontado por Caxias que, vencedor, evitou tripudiar sobre o vencido, buscando fazer sobressair a comunidade de interesses.
É de todo oportuno termos presente estas lições, posto que também manifestamos a tendência, depois de acertarmos nossos aspectos fundamentais, de nos perdermos nas trilhas subsequentes. Em bom português: com frequência acertamos no atacado para errar no varejo.
Algo de parecido está ocorrendo com o governo Fernando Henrique Cardoso. Sua vitória eleitoral representou expressão inequívoca da maioria. O pleito decidiu-se no primeiro turno, surpreendendo até mesmo muitos de seus partidários.
A formação do governo ensejou a oportunidade de constituir-se ampla coalizão, integrada pelos maiores partidos. Sendo consensual que a consolidação do Plano Real dependia das reformas constitucionais, esse tema logo foi encaminhado, de forma civilizada, como se deve proceder nas democracias, isto é, promovendo as negociações imprescindíveis. A agenda está virtualmente pronta para votação no Congresso, esperando-se que isto se inicie nos próximos dias.
Ao mesmo tempo, os resultados que vimos colhendo com a estabilidade monetária são altamente favoráveis. As camadas de mais baixa renda vêm tendo expressivo aumento de seu poder aquisitivo, comprovando que a inflação prejudica com maior intensidade os menos favorecidos. Cessaram as demissões em todos os setores. A recuperação econômica mantém-se através dos meses; as empresas voltam a contratar e tudo indica que, dentro em pouco, teremos de volta os melhores níveis de emprego.
Os indicadores elaborados pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), tomando por base índice 100 para 1992, e comparando-os a dezembro de 1994, demonstram que o pessoal empregado total chegou chegou a 96; a massa salarial real a 116; horas trabalhadas na produção a 99; e a utilização da capacidade instalada a 80.
O comércio exterior em 1994 superou todas as expectativas, alcançando cerca de US$ 77 bilhões, quase 20% acima do valor obtido em 1993. Sucessivos grupos empresariais manifestam disposição de investir. Assim, por exemplo, as montadoras de automóveis anunciaram que o seu programa de investimentos, até o fim da década, absorverá US$ 12 bilhões. Esse elemento corresponde à garantia de que temos pela frente um horizonte seguro de crescimento econômico.
Na parte política, o Brasil também se defronta com condições verdadeiramente excepcionais. À frente do Congresso, temos no Senado o ex-presidente da República José Sarney, personalidade que dispõe de ampla familiaridade com as dificuldades criadas para a governabilidade do país pela Carta de 88. E, na Câmara, o deputado Luís Eduardo Magalhães, sem favor uma das figuras mais promissoras dentre as que emergiram desde a abertura política. Para não falar no homem culto e preparado que é o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Em que pese esse quadro altamente favorável, o que vimos assistindo é o engrossamento da fila dos pessimistas, empenhados decididamente no sentido de que importemos a crise externa iniciada no México. Evita-se o confronto sereno entre a situação brasileira e a daquele país.
O México não só descuidou-se das reformas estruturais como supôs (até ingenuamente) que poderia sustentar suas reservas com base no capital especulativo. Além de atribuir a devida prioridade às reformas, o Brasil está empenhado sobretudo na criação das condições necessárias à captação de recursos estáveis. A flexibilização de monopólios e da discriminação ao capital estrangeiro, que tudo indica será aprovada pelo Congresso, certamente assegurará a preferência pelo Brasil dos investidores de longo prazo.
E, quanto à política cambial e de comércio exterior, as reformas recém-introduzidas indicam que o governo está atento à evolução da conjuntura. Mesmo os que vinham criticando a rigidez cambial não se furtam a proclamar que as medidas adotadas estão no caminho certo e produzirão os resultados esperados, não obstante os lamentáveis erros de comunicação cometidos.
Parodiando a falecida historiadora norte-americana Barbara Tuchman, cujos livros tanto sucesso alcançam no Brasil, estamos presenciando uma verdadeira "marcha da insensatez". Como mostra aquela autora, sociedades inteiras empreenderam autêntico suicídio, em determinadas circunstâncias que poderiam ser superadas, por terem abandonado, inexplicavelmente, o caminho que o bom senso estava a indicar.

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