São Paulo, sábado, 18 de março de 1995
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O argumento da força e a força do argumento

RENATO JANINE RIBEIRO

Há razões estruturais e conjunturais para prevalecer uma relação clientelística entre nossos dois poderes propriamente republicanos, porque eleitos: o Executivo e o Legislativo.
A composição da Câmara dos Deputados, na qual São Paulo tem deputados de menos e a Amazônia demais, é um dos fatores que estruturam nossa política segundo a troca miúda, o varejo dos favores. Outro elemento é a falta de fidelidade partidária, que dificulta a negociação séria, em torno de programas ou projetos, e propicia toda sorte de aventuras.
Essas razões são estruturais e fortes. Mudá-las é difícil (em especial a desigualdade do voto entre brasileiros, conforme morem em São Paulo ou na Amazônia), mas não é impossível. Restaurar a fidelidade partidária depende de lei. Estabelecer um equilíbrio mais decente entre as bancadas se pode negociar. Isso melhoraria a qualidade do jogo político.
Contudo, também há razões conjunturais, que se devem ao atual governo —e que precisariam ser modificadas. O presidente inaugurou seu mandato com a infeliz, mas significativa, anistia ao senador Lucena no episódio das folhinhas eleitorais.
Assim, ele deixou claro que o interlocutor preferencial da Presidência, na negociação política, não eram os milhões que ganham salário mínimo, cujo apoio se desdenhava, mas os velhos políticos com suas clientelas.
E o que veio, em troca? Até agora, nada. Melhor faria o governo se começasse em tom austero, dizendo que se norteava por princípios —mesmo que depois, ante a dura realidade, negociasse um pouco na sua aplicação prática. Mas começar evidenciando que quem joga pesado ganha, que se fará uma política realista, pautada por resultados, não por valores: isso é, paradoxalmente, fazer uma política inábil, pouco realista e de escassos efeitos.
Com isso, o governo favorece tudo o que é lobby. Parecem contar com sua maior simpatia os lobbies do empresariado e dos grupos conservadores, mas é claro que ele dá uma lição aos trabalhadores para que também pressionem. Vencerá quem fizer mais pressão. Dar lugar para esse jogo nu não é de boa política.
O que caracteriza a política é passar da força bruta para a linguagem, substituir o argumento da força pela força do argumento: em suma, dar ao que nas pressões é tosco uma elaboração propriamente civilizada.
Seria melhor, então, que houvesse mais espaço para debates, valores, princípios. Estes correm o risco, ante o chute inicial do governo FHC, de se subordinarem a uma "realpolitik" ingênua, a um jogo de forças.

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