São Paulo, sábado, 18 de março de 1995
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Causa e efeito

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO — Não foi só no Rio que a onda de violência cresceu nos últimos meses, para ser mais exato, a partir dos primeiros dias de janeiro. As estatísticas da criminalidade explodiram. A mudança dos governos estaduais e federal prova a evidência: o problema é mais fundo do que supõe o nhenhenhém das plataformas eleitorais e dos programas partidários.
A revolta e o pânico daquilo que se convencionou chamar de "sociedade" são proporcionais à euforia e ao orgasmo das autoridades que cuidam de nossas burras públicas.
Semana retrasada, com a auto-intitulada quebra de braço entre o Banco Central e os especuladores, jorrou por todos os ralos e trombetas da mídia a facúndia da vitória —e eu acho que mereço aumento de salário por usar sem aviso prévio e sem remorso posterior a palavra facúndia.
A façanha dos técnicos do Banco Central foi celebrada como prova definitiva de que o Brasil vai bem. Estamos ameaçados de superar todas as taxas de crescimento registradas nos anos do milagre brasileiro. Consumo, produção, renda "per capita", oferta de emprego, exportações, importações, até os prêmios da Sena e os capítulos da novela da oito, tudo foi aumentado, o Brasil começa a sua Era de Ouro com a pinta de um tigre asiático aclimatado ao sul do equador.
O mundo está ouvindo o nosso rugido —e essa me escapou, não sou douto em vozes de animais, não sei se tigre ruge ou faz outra coisa, imagino que não deve pipilar como os pintos nem blaterar com os camelos, que aliás estão em moda, graças ao Ceará e à Imperatriz Leopoldinense.
O espaço é pouco e me obriga a complicada elipse. Tanta alacridade e pulcritude forçosamente teriam de projetar, no outro lado da corda, o aumento da violência em todos os níveis. Outro dia falei no padre Cipriano, que entre outras coisas me ensinou a lógica de Aristóteles: "posita causa, positur effectus". Colocada a causa, tem-se o efeito. Mas chega. Como bradou Castro Alves: é infâmia demais! E depois do facúndia, do pipila, do blatera e do Castro Alves, aí mesmo é que não mereço nada.

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