São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Dornbusch descarta novo Bretton Woods

Para economista não há "tumulto" nos mercados

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

Para Rudiger Dornbusch, professor titular da cadeira Ford International de Economia do renomado Massachusetts Institute of Technology, o mercado internacional, a despeito da crise do México e da queda do dólar, não passa por um período de maiores turbulências. "O dólar caiu um pouco, mas ninguém teve um ataque cardíaco", diz.
Dornbusch descarta a idéia de novas instituições financeiras que possam exercer algum tipo de monitoramento do mercado internacional —idéia defendida, entre outros, pelos presidentes Fernando Henrique Cardosos e François Mitterrand, da França.
Ele acredita que os desdobramentos da crise mexicana podem mudar a percepção dos investidores a respeito do Brasil. Avalia que o Plano Real "está indo bem", mas que chegou a hora "do país ter um política econômica em vez de Carnaval".
Recém-chegado do México, cuja crise considera "devastadora", Dornbusch deu entrevista por telefone, na última quinta-feira, de seu escritório no MIT.

Folha - O sr. concorda com a impressão de que a globalização dos mercados financeiros está causando uma grande desordem da economia mundial e o enfraquecimento do dólar? O que o sr. acha do atual tumulto nos mercados financeiros?
Rudiger Dornbusch - Não há tumulto. O mercado de ações está subindo nos Estados Unidos, as taxas de juros estão em um nível compatível com a gestão da política monetária e tudo está bem.
Folha - Mas tem havido pânico com o enfraquecimento do dólar frente ao iêne e ao marco.
Dornbusch - É verdade, o dólar caiu um pouco, mas ninguém teve um ataque cardíaco.
Folha - Há quem clame por uma nova Bretton Woods, dizendo que as instituições financeiras internacionais não estão preparadas para a rapidez dos fluxos de capital especulativo e os novos tipos de investidores em ação.
Dornbusch - Não acredite nisso...
Folha - Quais são as suas impressões desta última viagem ao México?
Dornbusch - O México agora tem um novo plano econômico, mas a questão é se o mercado financeiro de Nova York vai se entusiasmar com ele ou não. As taxas de juros estão tão altas que se a resposta for negativa, e só vamos saber dentro de algumas semanas, acredito que o plano mexicano não vai durar muito tempo.
Folha - As perspectivas, então, não são boas?
Dornbusch - Obviamente não são, mas não se deve dizer logo de início que o plano não vai funcionar. O que está acontecendo, é que as taxas de juros estão tão elevadas que já se pode esperar uma nova desvalorização do peso e uma reestruturação econômica em um futuro não muito distante.
Folha - Qual é o seu diagnóstico das presentes dificuldades mexicanas?
Dornbusch - É uma crise de crédito. Ninguém quer comprar títulos financeiros emitidos pelo México. O plano é tentar atrair compradores com altas taxas de juros.
O problema é que quando os juros estão altos demais, os compradores passam a duvidar da capacidade financeira dos emissores em pagá-los no resgate.
Folha - Parece, portanto, uma crise de confiança e credibilidade.
Dornbusch - É, de fato, uma questão de confiança. E confiança não pode ser criada da noite para o dia. Leva tempo. Se os papéis mexicanos não forem comprados voltaremos a 1982.
Folha - Quais são as implicações do impasse mexicano para o Brasil?
Dornbusch - Se os investidores não comprarem os papéis mexicanos haverá mais uma crise e venda maciça de títulos latino-americanos, inclusive de papéis argentinos e brasileiros. As Bolsas de Valores brasileiras serão atingidas, os títulos da dívida brasileira vão sofrer forte desvalorização, mas as pessoas comuns, no Brasil, não notarão quase nada. Terá mais a ver com a percepção da comunidade internacional sobre os brasileiros do que com a possibilidade de crescimento econômico do país.
Folha - As autoridades brasileiras enfatizam que as diferenças entre Brasil, Argentina e México são tão marcantes que o Brasil está livre de uma crise igual às do México ou Argentina. O sr. concorda?
Dornbusch - É verdade que o Brasil é grande, voltado para dentro de si mesmo e não dependente de financiamentos externos a curto prazo. Mas é verdade também que a tendência do mercado de ações brasileiro é determinada em Nova York e não por Brasília. De modo que se o governo brasileiro cometer erros, muito em breve o Brasil estará na mesma situação do México.
Folha - Isso implica em dizer que o sonho latino-americano acabou?
Dornbusch - Menos no Brasil, mas certamente no México, que passa por uma crise devastadora. Essa crise levará muitos anos para ser resolvida. Será um processo comparável ao que ocorreu no Chile, no início dos anos 80. A Argentina, na melhor das hipóteses, sofrerá uma grande recessão.
No Brasil, tudo depende se agora o governo, finalmente, decidir adotar uma reforma fiscal séria. Não pode continuar adiando o ajuste fiscal e as privatizações. O Plano Real tem ido bem mas chegou a hora de começar a adoção de diretrizes econômicas em vez de carnaval.
Folha - O sr. acha que ainda é Carnaval no Brasil?
Dornbusch - Como não poderia deixar de ter essa impressão quando vejo o governo sem vontade de tomar decisões que indiquem uma direção clara de novas diretrizes sérias de apoio à estabilização. O sonho ainda não acabou para o Brasil, mas o governo precisa urgentemente Brasil definir diretrizes para assegurar que o 'boom' econômico trazido pelo real possa continuar.
Folha - Qual é a sua principal preocupação?
Dornbusch - O problema é que não há diretrizes. Apenas milagres. O Brasil adotou um plano muito criativo para se livrar da hiperinflação e agora o governo tem que colocar em prática um programa que assegure uma taxa moderada de inflação, uma estável e competitiva taxa de câmbio, uma sólida posição fiscal, a aceleração da privatização e a resolução da crise dos bancos estaduais. Todos esses pontos são prioridades urgentes e nada está acontecendo, nada.

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