São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Campos alerta para risco de descontrole

Economista vê necessidade de monitoramento global

DA REPORTAGEM LOCAL

A crise do México acelerou a necessidade de uma reformulação profunda do sistema financeiro internacional através da criação de um fundo, uma organização ou uma entidade para monitorar a volatilidade dos mercados atuais.
A avaliação é do deputado Roberto Campos (PPR-RJ). Para ele, o tipo de FMI (Fundo Monetário Internacional) e Banco Mundial que vai emergir dessa reformulação é a grande questão da atualidade. O problema, diz, é que ninguém sabe.
Roberto Campos vê um leque de alternativas na mesa: a volta ao sistema de paridade fixa do dólar com o ouro, introduzido em Bretton Woods; a adoção de um sistema livremente flutuante, ou a adoção de um sistema de bandas. "Ninguém tem a resposta". A seguir os principais trechos desta entrevista:

Folha - O que provocou a barafunda nos mercados a partir da crise do México e da queda do dólar frente ao iene e marco?
Roberto Campos - O mundo, em termos políticos, se tornou menos perigoso e mais complexo. Em termos econômicos, o mundo se tornou mais eficiente e mais perigoso.
Folha - Por que a economia tornou-se mais perigosa?
Campos - Por três fenômenos concorrentes: a inter-relação de mercados, a revolução da telemática e a globalização financeira.
Folha- Por que a globalização financeira está criando problemas e perigos?
Campos - Por três motivos: primeiro, a intercomunicação instântanea de mercados aumenta a volatilidade dos capitais; segundo, o surgimento de inovações financeiras, como a securitização e os derivativos, aumenta a eficiência do mercado ao mesmo tempo em que diminuem as possibilidades governamentais de controle de endividamento, e em terceiro lugar, o surgimento de novos atores financeiros ao lado dos bancos e das instituições internacionais.
Folha - Quem são esses novos atores do mercado?
Campos - São os fundos de pensão e os fundos mútuos de investimento. A atuação deles dilui os controles tradicionais que eram exercidos pelos Bancos Centrais sobre os bancos comerciais e pelas juntas governativas no tocante às instituiçoes internacionais. Não existem mecanismos de controle sobre os fundos de pensão e fundos mútuos.
Folha - Quais são as implicações econômicas dessa nova situação mundial?
Campos - Paralelamente a essa turbulência, verifica-se um aumento de eficiência dos mercados. Através da securitização das dívidas, as entidades podem dividir riscos. Portanto, aumenta capacidade de financiamento do mercado. Além disso, através da integração dos mercados, um bom projeto pode ser quase instantaneamente financiado por diferentes mercados no mundo.
Folha - Aumento de eficiência e também dos riscos. O bicho pega ou o bicho come?
Campos - De fato, há um aumento de eficiência e também um aumento de perigo. O que se torna necessário é um reexame dos mecanismos de coordenação financeira internacional.
Folha - O mundo precisa de uma nova Bretton Woods?
Campos - Sim. Há muito tempo se cogita de reformular o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial. Essa preocupação começou em 1973, quando a coluna basilar do FMI, que era a conversibilidade do dólar em ouro e a paridade fixa entre o dólar e o ouro, foi abolida (pelo governo Nixon, N.R.).
Folha - A crise no México acelerou a necessidade de se repensar o sistema financeiro internacional?
Campos - A crise do México deve acelerar o processo de reformulação. Agora, sente-se a necessidade de, por exemplo, um fundo ou uma organização ou uma entidade para cuidar do problema de volatilidade dos mercados.
Folha - Que tipo de novo FMI e Banco Mundial deve surgir?
Campos - Essa é a grande questão da atualidade. Existe uma comissão para isso, criada por ocasião do cinquentenário de Bretton Woods, chefiada por Paul Volcker, ex-presidente do Federal Reserve Board, o Banco Central dos EUA. Essa comissão já fez algumas recomendações, mas muito tímidas.
Folha - Quais são essas recomendações?
Campos - Basicamente são duas: que haja melhor coordenação entre os Bancos Centrais no mundo e que se adote um sistema de bandas de flutuação cambial. Não vai além disso.
Folha - Mas o que se pode recomendar a essa nova organização ou fundo?
Campos - Voltar ao sistema de paridade fixa de Bretton Woods?; adotar um sistema livremente flutuante para o câmbio?, ou adotar um sistema de "bandas" (que fixa limites para a oscilação)? Ninguém sabe a resposta.
Folha - Qual deveria ser a agência a se encarregar desse problema?
Campos - Não há acordo também nessa questão. Seria o próprio FMI, com um departamento especial e recursos ampliados para atender a volatilidade dos mercados?, ou o BIS (Bank of International Settlements), o Banco Central dos Bancos Centrais, da Basiléia?, ou seria uma nova entidade, uma fusão do FMI com o Banco Mundial? Ninguém sabe responder essas questões.
Folha - Como o sr. viu a reação do Brasil à crise mexicana?
Campos - Foi uma reação de pânico correta mas insustentável a médio prazo. A alta da taxas de juros tem dois efeitos: aumenta a dívida do governo e provoca recessão da economia, o que não é o objetivo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em segundo lugar, a redução da margem de manobra dos bancos dificulta o financiamento das exportacões, sendo a expansão das exportações um dos objetivos do governo.
Folha - Se essas medidas são de curto prazo, o que o sr. acha que tem que ser feito?
Campos - A principal medida é o clássico corte de gastos públicos. A reforma fiscal é lenta. A segunda medida é acelerar a privatização para reduzir a dívida do governo e os custos da rolagem da dívida.
Folha - O sr. não considera que esse modelo de ajuste, conhecido como neoliberal, fracassou junto com o México?
Campos - Essa interpretação é inteiramente errada. O México não privatizou demais. Privatizou de menos. O México fez uma boa reforma fiscal e diminuiu enormemente o problema do fluxo de endividamento. O setor público estava mais ou menos em equilíbrio. Mas o México não privatizou suficientemente para reduzir o estoque da dívida. Tudo correu bem enquanto as taxas de juros dos EUA estavam baixas. Quando as taxas de juros começaram a subir, o investidor passou a ter uma percepção maior dos riscos mexicanos e um sentimento maior da vantagem de ficar em dólar, o financiamento da rolagem da dívida para o México ficou caro. Isso é que o Brasil tem de evitar.
Folha - Como?
Campos - O ideal é não ter que recorrer a capital externo para rolagem nenhuma e privatizar para reduzir a dívida do governo. Com a redução da dívida deixa de existir o problema da rolagem. Portanto, se vão vir ou não vão vir capitais especulativos não tem importância alguma.
Folha - Qual a lição que o Brasil deve tirar da crise mexicana?
Campos - Não basta uma reforma fiscal. Com uma reforma fiscal nos daremos por muito felizes se conseguirmos impedir o acréscimo anual da dívida e o desequilíbrio fiscal. Mas e o estoque da dívida? O total a ser rolado está em US$ 62 bilhões. Para isso, a única solução é a privatização.

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