São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Meninas já bebem mais do que os meninos

DA REPORTAGEM LOCAL

Há um mito que diz que homem bebe mais do que mulher. Bebia. No levantamento de 93 do Cebrid, órgão ligado à Escola Paulista de Medicina, as mulheres passaram à frente no uso de álcool —83,1% contra 81,8%.
O fenômeno não é exclusivo de São Paulo. Pesquisa feita em Porto Alegre pelo psiquiatra Flavio Pechansky, 33, revela que a idade do primeiro gole é 10 anos e a do primeiro porre, 13. Lá, garotas dos 10 aos 14 anos e de 16 e 17 também bebem mais do que garotos.
Não há pesquisas brasileiras sobre alcoolismo na adolescência anteriores a 1987, mas psiquiatras costumam estimar que nos anos 70 o primeiro gole acontecia entre 13 e 15 anos. Há razões de todas as ordens para mais adolescentes beberem cada vez mais cedo.
Uma delas, segundo Pechansky, é a mesma que explica por que menina de dez anos não brinca de boneca, mas namora no shopping.
"Está baixando a idade para o acesso a tudo: ao sexo, ao crime e ao álcool", diz o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade da Pennsylvania (EUA).
Campanhas antidrogas também ajudaram a empurrar os adolescentes para os bares, diz o psiquiatra Jorge Gomes de Figueiredo, 42.
É um erro brutal do governo colar a imagem do capeta na maconha e na cocaína e ignorar o álcool nessas campanhas, segundo ele.
Estima-se que as pessoas que têm problemas com todos os tipos de drogas no Brasil, da maconha ao LSD, somam 0,1% da população. Já o álcool é um abacaxi cem vezes maior —a dependência atingiria 10% dos brasileiros.
"Abuso de álcool é o problema número um de saúde pública entre jovens", diz José Carlos Galduróz, 37, pesquisador do Cebrid.
Há ainda a pretensa segurança do álcool. "Os adolescentes abusam porque sabem que não vão ter uma overdose e existe a comodidade de que a bebida é legalizada", afirma Jair de Mari, 41, psiquiatra e professor da Escola Paulista de Medicina.
O Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo é uma espécie de atestado de como a segurança é só imaginária.
Até julho de 1993, o HC, como é conhecido o hospital, só tratava adultos com problemas de alcoolismo. O motivo era mais ou menos óbvio: a dependência demora de 10 a 15 anos para se instalar; portanto, não atinge adolescentes.
A obviedade foi por terra quando os pacientes relatavam suas histórias. "Todos começavam a beber muito jovens. Decidimos não esperar o alcoólatra ficar adulto para tratá-lo", conta Sandra Scivoletto, 28, coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Alcoolismo e Farmacodependência.
Há um ano e meio funciona no HC um ambulatório exclusivo para adolescentes que abusam do álcool. No primeiro levantamento sobre o perfil dos pacientes descobriu-se outro dado assustador: o uso diário começa aos 15 anos.
Boa parte da culpa é dos pais, defende Sandra Scivoletto. Acham que bebida na adolescência é tão passageira quanto as espinhas que surgem no rosto dos garotos.
Resultado: não tratam o uso abusivo como um problema médico. Só notam o estrago quando não há outra saída além da internação.

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