São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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'Só parei depois de cortar os 2 pulsos'

DA REPORTAGEM LOCAL

Cynthia Lorena Hansen, 20, mora em Heliodoro, no sul de Minas. Seu pai é fazendeiro. Era alcoólatra. Ela seguiu o pai. Só parou após cortar os dois pulsos.

"Dei meu primeiro gole aos 14 anos. Não foi bem um gole. Foi um porre. Tomei cinco copos de cuba. Foi muito rápido para mim: me acabei em seis anos.
Eu era superinsegura, me achava péssima, feia. Com álcool estava tudo resolvido. Virava supermulher, vinha uma sensação de grandeza, ficava linda, inteligente.
No início, bebia no fim-de-semana. Tomava cerveja, cuba, uísque. Comecei a faltar nas aulas. Na sexta-feira não ia porque saía para beber. Na segunda, faltava porque tinha ressaca.
Para complicar, fui morar sozinha em Pouso Alegre (MG) com 14 anos. Só queria fazer festa. O álcool foi o pó de pirlimpimpim.
Tomei bomba na escola, voltei a morar com meus pais, mas continuava bebendo. Enchia a cara a noite inteira e ia para a escola sem dormir. Com 16 anos eu tomava um litro de rum e muita cerveja.
Aos 17 anos começou a dependência. Quando o bar estava fechando, eu ficava desesperada, ia para a zona de prostituição. Lá, os bares fecham às 6h, 7h da manhã.
Fazia tudo por álcool. Roubava dinheiro em casa, na pensão, vendia minhas roupas. Roubei dois litros de uísque num hotel.
Aos 18, fui morar com um alcoólatra e comecei a beber de manhã. No final do ano passado bebia dois litros de uísque por dia e muita cerveja. Quando não tinha dinheiro para o uísque, tomava cachaça. Morava com um amigo que acordava à noite para beber.
Tinha muito apagamento, não lembrava de nada. Batia o carro, passava mal, vomitava, dizia que ia parar, mas depois sentia falta. Nunca tive tremedeira porque bebia sempre. Tinha só dores de estômago e de garganta.
Bêbado não tem vida afetiva. Eu usava as pessoas para beber. Pensava: "Aquele gato tem grana. Vou fazer ele pagar um uísque para mim". Tenho muito medo de ter Aids. Fiz o teste e vou ver o resultado no próximo mês. Eu quase nunca transava com camisinha.
Em agosto do ano passado cheguei ao fundo do poço. Tinha me separado de um cara de 35 anos, alcoólatra. Em julho, meu pai tinha me expulsado de casa.
Morava com uma galera e todo mundo bebia muito. Eu queria morrer e reencarnar melhor.
Tentei suicídio tomando Lexotan e cuba libre. Tomei um Lexotan e bebi umas 15 cubas. Fiquei tão bêbada que peguei a caixa de Lexotan e tomei mais nove comprimidos. Quebrei um Prestobarba e cortei os dois pulsos. Doía muito, mas eu achava que qualquer coisa era melhor que aquela vida.
Espirrou sangue no espelho do banheiro, no chão, na minha roupa. Desmaiei no quarto e meus amigos chamaram um médico.
Voltei para a casa da minha família e foi a primeira vez que eu e meu pai conversamos. Ele falava antes, mas não adiantava: eu achava que não era alcoólatra.
Fui internada numa clínica no dia 12 de agosto de 94. Acho que isso é hereditário. Meu pai, minha mãe e meus tios eram alcoólatras. Meu avô morreu bêbado.
Passei muita vontade de beber na clínica. A irmandade segue os 12 passos do AA (Alcoólicos Anônimos) e me salvou. Eu era uma bêbada engraçada. Descobri que sou mais bacana sem álcool.
Não adianta só tapar a garrafa. Estou aprendendo a viver. Troquei o álcool por espiritualidade. Você só pára depois de muitas perdas. Perdi tudo, perdi quase a vida."

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