São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Troquei a virgindade por vodca'

DA REPORTAGEM LOCAL

Daniela C., 17, está internada no Rio. Filha de um sargento aposentado, começou a beber cachaça aos 6 anos. Dez anos depois, havia virado prostituta.

"Meu pai bebia. Morreu de cirrose quando eu tinha 12 anos. Nessa época eu já bebia bastante. Comecei aos 6. Fui debaixo da pia e dei uns goles numa 51.
Quando eu tinha 7 anos, meu pai desconfiava que minha mãe o traía. Em troca de informação me dava cerveja, caipirinha. Minha mãe traía, mas eu inventava para ganhar mais. Ficava tudo leve.
Comecei a ir no bar que meu pai tinha. Com uns 9 anos já tomava pinga pura. Tomava duas doses de 51 antes da aula.
Meu primeiro porre foi com 10 anos. Lembro bem. Meu pai tinha brigado com minha mãe, abriu um buraco na cabeça dela, ficava me chamando de puta, queria saber com quem ela saía. Bebi mais de um litro de vinho.
Caí, desmaiei, mas gostei. Comecei a tomar porre direto. Bebia junto com meu pai pinga pura, rabo-de-galo, caipirinha.
Com 11 anos comecei a cheirar, mas nunca deixei de beber. Dos 10 aos 16 anos, tomei porre direto. Conheci pó com uma amiga que tomava baque (injeção de cocaína na veia). Descobri que o pó acabava com o efeito do álcool e podia beber mais.
Já não tinha memória. Repeti três vezes de ano. Não conseguia ir à escola careta. Tomava três doses de pinga com limão antes da aula. No intervalo, pulava o muro e tomava mais duas doses. Isso quando não levava um litro de vinho para tomar no banheiro.
Caí no mundo da malandragem. Me achava o máximo, conhecia bandidos, roubava roupas em lojas, tênis, dinheiro da minha mãe. Comecei a roubar roupa de playboy (garotos de classe média), carteira, tênis, boné.
Fazia saidinha de banco com 13 anos. Via quem tinha acabado de receber o salário e enquadrava, limpava o cara.
Sozinha, já tomei três, quatro litros de pinga. Uma vez fui para um cemitério com uma turma de góticos. Uns ficaram com medo e sobrou eu e dois amigos. Eles deram uns goles e tomei três litros de pinga. Entrava nos túmulos, pegava ossos, ai! Que nojo!
Com 14 anos perdi a virgindade em troca de uma garrafa de vodca. Queria ficar virgem, mas transei e bebia para esquecer.
Cheguei a me prostituir por causa de bebida. Entrava num bar e procurava um cara boa pinta. Ele pagava umas e eu dava.
Com 15 anos conheci crack e virei puta de rua. Crack foi amor à primeira tragada. Se não tinha crack, bebia mais. Me sentia um lixo por transar com um monte de caras. Cobrava R$ 30. Dava para comprar três pedras de crack. No ano passado, eu tinha 16 anos, bebia um ou dois litros de pinga por dia. Vivia na rua.
Parei com tudo depois de três overdoses de crack. Na primeira, perdi um filho. Um cliente meu de 51 anos contou para minha mãe que eu usava droga e ela me levou aos Narcóticos Anônimos. Já estava vomitando sangue.
Fiquei 13 dias sem beber e sem fumar crack. No 14º dia tomei nove garrafas de cerveja e voltei com tudo. Minha recaída foi no dia 21 de setembro de 1994, uma terça-feira. Percebi que tinha de ser internada.
Fugi uma vez, mas não bebi. Sinto um vazio, mas ele está sendo preenchido por um poder superior. Se voltar a beber vou morrer. Não tenho medo da morte, mas quero morrer limpa.

Texto Anterior: 'Só parei depois de cortar os 2 pulsos'
Próximo Texto: 'Bebia 1 garrafa de tequila em 3 horas'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.