São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Real mantém distorções de preços na economia

SUZANA BARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Oito meses após o real, o consumidor ainda se assusta ao pagar mais por um quilo de mandioquinha (R$ 5,20) do que por um quilo de coxão mole (R$ 4,40). Uma corrente com pingente de ouro custa o mesmo que um minivestido da Forum (R$ 120,00).
Outro exemplo é que com uma nota de R$ 50,00, é possível comprar um liquidificador Walita (R$ 42,50) ou uma cafeteira elétrica Eletrolux (R$ 49,00), mas não é suficiente para adquirir um forninho infantil da Estrela (R$ 78,50).
Esta confusão de valores é traduzida pelos economistas como dispersão de preços relativos.
Em tese, a queda da inflação deveria fazer com que os produtos tivessem seus preços diretamente relacionados com seus custos, reduzindo esta dispersão propagada em tempos de grandes aumentos de preços.
"Com a inflação alta, os produtos eram reajustados por algum índice de preços e não pela sua variação de custos", diz José Maurício Soares, secretário-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

Indexação
Reajuste pela Heron do Carmo, coordenador-adjunto da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) da USP, afirma que esta dispersão ocorre ainda porque diversos comerciantes estão acostumados a reajustar seus preços nas mesmas proporções da inflação e não pelo seu custo.
"Temos um período curto de estabilidade e a nossa inflação ainda é alta para os padrões internacionais", diz Heron do Carmo.
Outro fator, acrescenta o economista da Fipe, é que, com o Plano Real, mudou a demanda por diversos produtos, e mercadorias mais procuradas costumam ter seus preços reajustados para cima.
Segundo ele, os maiores aumentos e disparidades são percebidos no setor de serviços.
"O preço da picanha subiu e os restaurantes reajustaram suas tabelas para cima. Agora que o preço baixou, ninguém reduziu o preço no cardápio", aponta Heron.
Soares, do Dieese, diz que esta disparidade tende a se equilibrar após um período maior de inflação baixa. "Produtos de menor valor agregado poderiam ter preços menores."
O exemplo, diz, é que uma camiseta de manga longa (R$ 53,00, na Forum) custa mais do que um ferro de passar roupa (R$ 44,00 na Arapuã).

Sem barreiras
O processo de abertura da economia também tende a diminuir esta disparidade.
Com concorrência externa, os produtos nacionais deveriam ter preços iguais ou próximos aos importados.
Mas isso nem sempre acontece. Uma calça jeans (equivalente a Levis) nos EUA sai por US$ 45,00 enquanto no Brasil seu preço é de US$ 53,57.
A explicação para a diferença entre preços nacionais e importados, segundo os economistas, está nos problemas estruturais da economia brasileira.
Aqui, imperam o grande número de impostos, as altas taxas de juros, a ineficiência empresarial e os baixos salários, insuficientes para alargar o mercado de consumo e estimular empresas a investirem em aumento de produção.
As margens de lucro das empresas brasileiras também são consideradas altas pelos economistas.
"O problema da importação é que nem todos os produtos são passíveis de chegar ao país", diz Heron.
Os exemplos aqui são os serviços, como cabeleireira, faxineira etc., além das mensalidades escolares e preços de restaurantes.

Sem sustos
Mas há quem diga que esta disparidade está ligada a outros fatores e que o consumidor não deve se assustar ao perceber que R$ 65,00 compram um brinco de argola de ouro mais não são suficientes para o perfume Eternity, que custa R$ 100,00, ou para a boneca Bebê Dodoi, da Estrela (R$ 99,90).
O ex-ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, afirma que as atuais disparidades de preços refletem as diferenças de produtividade, de custos, de transporte, além da tradicional lei de oferta e procura.
"Em um mercado de inflação baixa e com livre competição, os preços refletem o valor que têm agregado", diz Mailson.
Ernesto Guedes, da MCM Consultoria, afirma que um computador 486 custa menos do que um terno sofisticado, apesar de ter maior valor agregado.
"A produção em escala pode justificar as diferenças de preços", afirma Guedes.

Produtos básicos
Heron do Carmo, da Fipe, diz que as pessoas podem não perceber distorções entre os preços ou até aceitá-las.
"Mas quando se trata de produtos básicos, como gasolina, leite e pãozinho, elas certamente não aceitaram variações", diz.
Motivo: há oito meses os consumidores estão pagando o mesmo valor por um produto e já se acostumaram a desembolsar a mesma quantidade de reais para adquiri-los.

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