São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Malan quer novas regras na correção dos salários

JOSIAS DE SOUZA; GILBERTO DIMENSTEIN

A VOLTA DO GATILHO
Eu acho preocupante no seguinte sentido: não vamos conseguir consolidar a estabilização e ter um período longo e prolongado de inflação baixa se nós não conseguirmos lidar com a cultura da indexação no país. Não é fácil, porque tem quase três décadas de convivência com indexação. Há uma demanda por indexação. Desse ponto de vista, eu vejo a questão dos gatilhos automáticos como um problema sério.

DESINDEXAÇÃO
Há várias formas de fazer. Não podemos fazer como a Argentina. Lá, no mesmo dia em que uma lei estabeleceu a conversibilidade de um para um no câmbio, foi eliminada toda e qualquer indexação na Argentina.
No Brasil, isto tem que ser algo feito de forma gradual, acordada, negociada. Nós temos ainda, infelizmente, no Brasil aquilo que se chama de partido da moeda fraca. São pessoas que acham razoável uma inflação de 50%, 60% ao ano.
A história não registra nenhuma experiência no mundo de país que tenha estabilizado a inflação a taxas dessa magnitude.

OS SALÁRIOS
Há várias formas de caminhar num processo gradual de desindexação dos salários. Existem possibilidades intermediárias entre a indexação total, de 100% da inflação passada, e o limite da Argentina, que não prevê nenhum tipo de indexação.
A concessão de gatilhos salariais não ajuda. Mas estes empresários estão correndo riscos. Uma empresa que é excessivamente condescendente nessas negociações pode se ver numa situação de perder participação relativa de mercado, seja para competidores domésticos que não estão fazendo as mesmas concessões, seja para produtos importados.
Quero lembrar que a abertura da economia brasileira é irreversível. Nossas importações vão continuar crescendo, o problema é a velocidade de crescimento.

APOSTA SOBRE A MESA
Estou seguro, estou confiante em que o Congresso se elevará à altura dos desafios da hora presente.
A aposta que fizemos e que continuamos fazendo é a de que a maioria da população brasileira estaria apoiando mudanças constitucionais que permitissem consolidar o esforço antiinflacionário.
Fizemos essa aposta em 93 e ela continua na mesa. Pelo conjunto que nós mandamos, esse capítulo da ordem econômica tem um efeito que é da maior importância: permitir a participação do setor privado, doméstico e internacional, no investimento nas áreas de mineração, energia elétrica, petróleo, comunicações, gás, transporte, é algo que é fundamental.

PREVIDÊNCIA INVIÁVEL
A Previdência também é algo fundamental. A situação atual, quando projetada para o futuro, é insustentável.
Um dos pilares do sucesso do modelo chileno é a reforma da Previdência, que permitiu um enorme aumento da poupança doméstica. Uma das razões do fracasso do México é a redução significativa e continuada da poupança doméstica.

NÓ TRIBUTÁRIO
A parte de tributos vai ser a última e, honestamente, a mais complexa (da reforma constitucional). Existe uma enorme área de convergência sobre a necessidade de simplificar o sistema, de desonerar as exportações, de evitar a guerra fiscal entre os Estados, de tributar não a produção, mas o consumo.
Mas há questões muito complexas, tanto do ponto de vista técnico-operacional quanto em termos de avaliação política. Eu acho que essa discussão entrará ao longo de 96. E como há o princípio da anterioridade, que diz que a mudança celebrada num ano não pode estar em vigor naquele mesmo ano, talvez seja mais realista imaginar um novo regime tributário em vigor a partir de 1º de janeiro de 97.

BALANÇA
Vamos começar falando de exportações: elas estão indo bem. Em janeiro, os US$ 2,980 bilhões proporcionaram o melhor janeiro em termos de nível de exportações que o Brasil já teve. Houve um crescimento de 8,5% sobre janeiro de 94.
Fevereiro foi o mesmo nível das exportações de janeiro, também o melhor fevereiro quando se compara com qualquer outro mês de fevereiro passado. Houve um crescimento de quase 7% sobre as exportações de fevereiro de 94.
Passando agora para importações: pela primeira vez em novembro do ano passado, nós tivemos déficit. Foram US$ 492 milhões em novembro, US$ 884 milhões em dezembro, caiu para US$ 290 milhões em janeiro.
Sobre fevereiro, o número definitivo não está disponível ainda. É importante explicar os motivos: apenas 40% dos dados sobre nossas importações estão computadorizados; 60% dos dados ainda são, infelizmente, processadas manualmente e enviadas por malote. Não quero comentar o número antes de tê-lo em caráter definitivo.
Mas há estimativas de crescimento muito alto de importações. Tudo indica que será um déficit maior do que foi em janeiro. Aparentemente bem maior (o ministro não quis dizer se as previsões superam a marca de US$ 1 bilhão).

A BONANÇA
Não quero me comprometer com números nem com datas. Mas estou seguro de que nós terminaremos o ano de 95 com expressivos superávits na balança comercial. Acho que a correção do câmbio vai levar a um inevitável superávit no ano.

A FEBRE DO CONSUMO
Nós estamos numa situação de economia aquecida. A velocidade de crescimento do consumo está sendo maior, em muito, à velocidade de crescimento da oferta, que também está crescendo. Há aí dois problemas potenciais.
Primeiro, a possibilidade de que se desenvolvam pressões inflacionárias na economia caso essa taxa de crescimento não seja um pouco mais adequada à taxa de crescimento da oferta. Você tem obviamente pressões sobre as importações, na medida em que a demanda, não podendo ser atendida pela produção doméstica, é atendida via importações. Afeta exportações também.
As exportações totais do país decorrem da diferença entre a produção exportável do país e o consumo doméstico da produção. Quando se tem uma demanda superaquecida, parte da produção doméstica, que poderia ser canalizada para o mercado internacional, é absorvida internamente. Então, o correto, do ponto de vista macroeconômico, é adequar a taxa de crescimento do consumo à taxa de crescimento da oferta.

O ERRO DO CÂMBIO
Eu não chamaria de erro. Definitivamente não chamaria de erro. Creio que houve uma conjunção de fatores naquela semana. Talvez o comunicado de segunda-feira (6 de março) se prestasse a algumas variantes de interpretações. Isso ficou claro. Tentou-se dar, num mesmo comunicado, uma informação talvez por demais complexa para ser digerida pelos operadores. Nós achamos que era o momento de explicitar o sistema de bandas.
O que se tentou fazer no comunicado foi definir uma nova banda, de R$ 0,86 para R$ 0,90, que é a banda tradicional, com uma flutuação mais estreita. E definimos para o futuro uma banda larga, que é como funciona o sistema europeu, com uma faixa de flutuação muito mais ampla, de R$ 0,86 a R$ 0,98.
Mas, no sistema europeu, opera-se no centro de gravidade da banda. E nós pretendíamos dar uma explicação clara a respeito ao fazer aquela operação a termo, para 2 de maio, a R$ 0,93. Acho que a combinação das duas coisas se mostrou mal compreendida. Foi entendida como uma faixa muito ampla de flutuação, na qual o Banco Central só faria intervenções quando o dólar chegasse no limite mais alto. Houve um problema de entendimento.

CÂMBIO DE CABEÇAS
Essas especulações (sobre mudanças na equipe do Banco Central) sempre existem. São derivadas de um fato que é normal. Um tema dessa complexidade admite, necessariamente, quando se está em fase de discussão, no âmbito dos responsáveis pela política, algumas variantes de natureza técnica e operacional.
Algumas pessoas, em reuniões, defendem posições diversas. Ficaria muito preocupado se reuníssemos um grupo de pessoas para discutir tema de tal complexidade e houvesse ali uma burra unanimidade. Lamento que o vazamento de algumas delas seja interpretado como sinais de profundas divergências, o que não é o caso. Não vejo nenhuma razão para mudanças no Banco Central.

O BC E O MERCADO
Me sinto à vontade para falar disso porque sou, desde o final de 66, um servidor público. Nunca trabalhei no mercado financeiro, nem tenho a intenção de fazê-lo. Tenho dúvidas sobre a validade de proposta que impede pessoas que tenham tido vivência no mercado financeiro de ocupar a presidência ou a diretoria do Banco Central e que impõe sérias restrições ao que podem fazer de sua vida depois de terem exercido tais funções.
O Banco Central de qualquer país do mundo precisa ter pessoas com experiência nos seus respectivos sistemas financeiros. Defendo a idéia de que é preciso pensar na possibilidade de que o presidente e os diretores do Banco Central tenham mandato definido.

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