São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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Livro mostra a evolução do genoma

José Reis

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Cinquenta anos de pesquisa em genética de populações por numerosos cientistas formam a base da fundamental obra lançada pela Princeton University Press — "The History and Geography of Human Genes".
É o mais completo levantamento jamais realizado sobre as variações humanas ao nível dos cromossomos. Seu autor principal é Luca Cavalli-Sforza, da Universidade Stanford, em colaboração com os colegas Paolo Menozzi e Alberto Piazza.
A elaboração do livro, que é na verdade o primeiro atlas genético do mundo, levou 16 anos.
O volume contém mais de 500 mapas que representam áreas de semelhança genética e outras, e mostram, pelas relações de parentesco das populações, as rotas de migração do homem antigo através do planeta, o que corresponde, nas palavras de Sribala Suberanamian, ao que mais se aproxima de uma árvore genealógica global.
A base do empreendimento são dados obtidos pelas técnicas convencionais de identificação genética individual, isto é, antígenos, anticorpos e semelhantes elementos imunológicos (grupos sanguíneos etc.).
Com esses dados os autores compuseram os perfis de centenas de milhares de indivíduos de quase 2.000 comunidades que já se achavam assentadas em seus atuais sítios desde os tempos do descobrimento da América, antes portanto do início das grande migrações da Europa.
O atlas genético traz numerosas revelações, algumas das quais destroem antigos mitos. Um dos mapas é um verdadeiro espectro em cujas extremidades fica a África e na oposta a Austrália.
Ele manifesta a grande diferença ou distância entre os aborígenes australianos e os africanos sul-saarianos, que eram tidos como próximos em vista da semelhança de cor e forma do corpo.
Os genes revelam todavia que os australianos estão muito mais perto de seus vizinhos, os asiáticos do Sudeste.
As aparentes diferenças raciais, como as entre europeus e africanos, em geral não passam de adaptação ao clima, consequência das migrações.
Muito peculiar parece a situação dos bascos, que devem ser os mais diretos descendentes do homem de Cro-Magnon e por isso figuram entre os primeiros homens modernos da Europa.
No continente americano, os três grupos principais classificados pela linguística são geneticamente distintos e devem ter atravessado o estreito de Bering em épocas diferentes.
A África deve ter sido realmente o berço da humanidade e todos os europeus parecem população mestiça de 65% de genes asiáticos e 35% de africanos.
Estes são apenas alguns exemplos do material contido na monumental obra. Alguns casos permanecem em dúvida e requerem novos estudos, já planejados, com as modernas técnicas da engenharia genética.
O livro de Cavalli-Sforza e colaboradores apareceu logo depois de "A Curva do Sino", onde Charles Murray e Richard Hernstein revivem, noutro contexto, o famoso debate que nas décadas de 60 e 70 agitou os cientistas e o público norte-americanos, sobre inteligência (QI), raça e genética.
Os principais protagonistas daquele episódio foram Arthur Jensen e William Shockley. Este chegou a pleitear que o Estado pagasse pela esterilização dos indivíduos de baixo QI.
O livro de Cavalli-Sforza defende posição inteiramente oposta à de Jensen quanto à genética do QI. Sustenta, por exemplo, que as diferenças genéticas entre os indivíduos são tão maiores que as entre grupos, que praticamente se torna sem sentido o conceito de raça em nível genético, não havendo motivo para acoroçoar teorias que preguem a superioridade genética de uma população relativamente a outra.
O projeto do atlas genético vai ser ampliado e encaixado no do Genoma Humano, já em pleno andamento. Será o projeto sobre a diversidade do genoma humano.

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