São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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A soberania divina de Ômega

JOHN POLKINGHORNE
DA "NEW SCIENTIST"

Erramos: 05/04/95
Devido a um erro de tradução em texto publicado em 19 de março à pág. 6-15, a expressão "interpretação de múltiplos mundos" foi publicada como "interpretação de múltiplas palavras".
A soberania divina de Ômega
Ele proclama: "Se algum leitor perdeu um ente querido ou está com medo da morte, a física diz: 'Acalme-se, você e eles viverão novamente".
Assim, seu livro "The Physics of Immortality" (A Física da Imortalidade) é um ensaio sustentado no imperialismo da física: "Teologia simplesmente tem que ser um ramo da física se ela quer sobreviver".
A base para tal reivindicação é um reducionismo extremo que, por exemplo, relega seres humanos a computadores feitos com partículas elementares: "Assim, 'vida' é uma forma de processamento de informação e a mente humana —e a alma humana— é um programa de computador muito complexo... uma pessoa é um programa de computador que pode passar pelo teste de Turing".
Tipler reconhece que uma implicação disso é que automóveis são "vivos" apesar de não serem, claro, pessoas.
Alguém poderia relegar a idéia do livro como promoção do reducionismo físico até seu limite a assim, a meu ver, exibindo sua fria implausibilidade.
A imortalidade reivindicada no título é baseada no "belo postulado" de Tipler de que a vida, tendo uma vez se manifestado, continuará para sempre.
Claro, toda vida baseada em carbono tem que eventualmente perecer uma hora, mas a inteligência seria capaz de controlar suas próprias e sucessivas reencarnações como mudança de circunstâncias cósmicas.
Tipler acredita que o que melhor evidencia isto é representado pelo colapso da matéria de um Universo fechado em uma condição fronteiriça específica futura que, falando a grosso modo, exige uma rede causal do Universo para condensá-lo em um único ponto derradeiro.
Este é o Ponto Ômega, que Tipler diz que dita as regras de um "deus físico" na religião da nova era. Nesta agitada fase, todo o cosmos se transformará em uma corrida computadorizada cada vez mais rápida, capaz de processar uma quantidade infinita de informações e aí, na visão de Tipler, capaz de produzir "vida eterna".
A esperança de ressurreição e imortalidade reside na idéia de que o Ponto Ômega usará sua infinita capacidade computacional para produzir emulações de você e eu.
Se nós somos apenas programas, isso será o suficiente para nos trazer de volta à "vida".
Por que Ômega se importaria em fazer isso? Aparentemente porque ele quer nos conhecer, recuperando a informação dos fótons que nós emitimos durante nossas vidas.
Tipler acredita sutilmente que o problema apresentado por degradação dessa informação se deve à opacidade e incoerência.
Você pode perguntar se esse ato não ressucitará tanto o mal quanto o bem? Aparentemente Ômega exercerá alguma discriminação quanto a isso.
Como sabemos que Ômega será benevolente? Aparentemente porque ele perceberá que teorias microeconômicas nos ensinam que se o valor futuro é suficientemente alto, uma estratégia de "altruísmo barato" é o melhor a se buscar.
Tipler desenvolve seus argumentos com ingenuidade fantástica. O livro é como uma ficção científica da mais alta classe.
Relatividade geral tem um papel essencial porque seu espaço de fase infinita impedirá que a história cósmica seja sempre simplesmente uma sequência repetitiva de retornos ao mesmo estado.
Ele apresenta muitas idéias inteligentes para desenvolver seu argumento. Uma dessas é que a inteligência terá que controlar todo o Universo e então manipulá-lo de forma que seu colapso terminal aconteça de uma maneira assimétrica.
Este colapso assimétrico liberará energias gravitacionais que estarão disponíveis para alimentar o computador cósmico.
O fato do colapso cósmico ser um processo caótico e, dessa forma, podendo ser facilmente desencadeado, permitirá à inteligência atingir o nível cósmico que ela precisa.
Menos simples é a reivindicação de que a teoria quântica de múltiplas palavras suporta a liberdade de as coisas serem "de outra forma" porque existem outros mundos paralelos nos quais a mesma coisa é realmente de outra forma.
Além de tudo isso, a confiança da teoria de múltiplas palavras nas equações de Schrõdinger por si só certamente implica em determinismo ao contrário de um quadro aberto do processo físico total.
A qualidade da explicação da ciência para o leitor comum é variável. Às vezes é bem claro mas, em outras vezes, há uma dificuldade implícita na gravidade quântica, uma familiaridade que o leitor provavelmente não possui.
Há um "apêndice para cientistas" muito útil para o qual foram mandados os detalhes técnicos.
Há muitas estimativas quatitativas, normalmente baseadas no Limite de Bekenstein, limitando a informação que pode ser codificada em um sistema quântico de um dado tamanho.
Tipler exibe uma confiança impressionante na descrição dos estágios finais do Universo em um grau que faz as especulações de seus colegas cosmólogos quânticos sobre o Universo recente parecerem bastante sem graça e conservadoras, se comparadas às dele.
A simulação da vida pode, a princípio, começar apenas dentro de 10-n segundo, onde n=1010 segundos do final do tempo próprio.
Em toda parte há referências a teólogos. Eles normalmente parecem estar falando de paralelismo verbais que exigem muito mais cuidado na sua análise. Ainda há um interessante grau de paralelismo que, para mim, serve para mostrar a insuficiência do evangelho para Tipler.
É certamente o caso de Tomás Aquino e muitos de seus seguidores, que imaginavam a alma como a "forma" ou padrão de confirmação da informação, do corpo, e que eles viam como a esperança cristã da ressurreição como sendo a reencarnação daquela forma por Deus em um novo ambiente de sua escolha.
Ainda há aqueles nessa tradição, entre os quais eu me incluo, que procuram entender este "padrão" por um caminho mais rico e plausível do que é possível se seres humanos fossem simplesmente reduzidos ao estado finito de máquinas.
A esperança de tal ressurreição reside não na curiosidade do cálculo de um computador cósmico, mas no deus pessoal, que cuida individualmente de cada uma de suas criaturas humanas.

Tradução de Paulo Fernando Silvestre Jr.

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