São Paulo, domingo, 19 de março de 1995
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México não será Vietnã financeiro dos EUA

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Qual país recebeu mais investimento direto estrangeiro em 1994? Isso mesmo, investimento real, gasto na construção de fábricas, não "hot money" especulativo.
Se você respondeu China ou México, países que até anteontem eram vedetes emergentes, errou.
Os Estados Unidos foram o país que mais recebeu investimento direto estrangeiro no ano passado, segundo dados das Nações Unidas divulgados na semana passada.
O total investido atingiu US$ 204 bilhões no mundo, 5,7% a mais que em 1993. A China ficou em segundo lugar, com US$ 34 bilhões ou 20% sobre 1993.
E para onde foram os investidores norte-americanos? Eles desbancaram os japoneses em volume de investimento no exterior. Mas se o destino natural talvez fosse o México ou a Europa, para reverter a difícil relação dos EUA com o Japão e a Ásia, a realidade é outra.
A participação dos investimentos norte-americanos na Ásia, que era de 3,9% do total na região em 1980, alcançou nada desprezíveis 7,2% em 1993, contra uma fatia praticamente estagnada em 4% dos europeus. Os investimentos japoneses na Ásia caíram de 24% em 1980 para 11,7% em 1993.
É preciso cuidado ao analisar a crise atual. É fato por exemplo que a queda do dólar frente ao marco e ao iene causa tremores financeiros, comerciais e geopolíticos. Ao mesmo tempo, o dólar barato reduz os custos relativos nos EUA. Cria também oportunidades de compra de ativos. E as empresas que exportam para os EUA sentem-se atraídas a montar suas fábricas dentro do maior mercado consumidor do mundo justamente na medida em que o câmbio encarece os produtos importados.
Os EUA registraram déficit comercial em 1994 pelo décimo-terceiro ano consecutivo. E também um déficit em conta corrente. Mas se no México o déficit em conta corrente chegou a 8% do PIB, evaporando a confiança dos estrangeiros na capacidade do México pagar suas contas, nos EUA o déficit em conta corrente foi em 1994 de 2,3% do PIB.
E o banco central dos EUA imprime a moeda mais utilizada no comércio mundial justamente porque existe o déficit, ou seja, porque os EUA continuam inundando o comércio mundial com dólares.
A situação é paradoxal. Seria certamente um exagero dizer que o desequilíbrio estrutural, o déficit persistente e a desvalorização cambial ininterrupta criam ao fim um sistema virtuoso.
Mas descontado esse tentador exagero, é preciso prudência antes de inferir que o sistema mundial está à beira do colapso, sugado pela derrocada norte-americana.
O mundo anda à beira de um ataque de nervos, especialmente o mundo das finanças. Azar de quem imaginou que a crise da dívida era coisa do passado e que uma nova ordem monetária e financeira já estava em pé.
Quem colocou suas fichas nesse sonho, como México e Argentina, agora paga o preço. Que será acima de tudo pago internamente, como sempre foi no passado.
É mais fácil surgirem novos Chiapas no México e em outras praças da América Latina, onde se aviltam 200 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza, do que ver o México tornar-se o Vietnã financeiro dos Estados Unidos.

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