São Paulo, terça-feira, 21 de março de 1995
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Escultura e gravura 'dialogam' em mostra

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Exposição: Gravura por Escultores
Onde: Gabinete de Arte Raquel Arnaud (r. Artur Azevedo, 401, tel. 883-6114)
Quando: de segunda a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 11h às 14h; até 9 de abril

Ao conceber a mostra "Gravuras por Escultores", sobrepondo obras nas duas mídias com que mais trabalha em seu Gabiente de Arte, Raquel Arnaud intuitivamente instiga um debate fundamental para a teoria da arte.
As obras formam uma arena conceitual. A simples presença, frente a frente, de esculturas e gravuras dos escultores brasileiros Amilcar de Castro, Waltércio Caldas e José Resende, dos norte-americanos Richard Serra e Alexander Calder e do espanhol Eduardo Chillida provoca um questionamento sobre diferenças de percepção a partir do objeto bi e tridimensional.
O plano de papel, registrado na gravura através do metal ou da pedra, em contraste com a tridimensionalidade das formas escultóricas discute a diferença de leitura imposta pelos dois tipos de obras. E questionam como um artista pode traduzir uma mesma idéia utilizando, alternativamente, uma ou outra mídia.
Como resultado a priori, os trabalhos, apesar de assinados por artistas de países e gerações diferentes, estabelecem uma conversa harmônica. As gravuras em metal de Chillida, que apresentam blocos negros ranhurados em branco, estão, por exemplo, em absoluto entrosamento com as esculturas de ferro modular de Amilcar de Castro.
Desde 1972, quando Raquel Arnaud começou a trabalhar como marchand, com esculturas de Lygia Clark, Sérgio Camargo e Amilcar de Castro, ela tentava entender como esse escultores se comportariam frente ao desenho e a gravura.
"O mais interessante é constatar que a maioria dos escultores não faz desenhos como esboços para a escultura. As gravuras e desenhos têm vida própria."
Essa relação de independência e ao mesmo tempo complementaridade é a alma dessa exposição. Por constatações de questionamento estético, ela foi dividida em duas partes, fisicamente separadas nas duas salas da galeria.
A primeira sala, toda em preto-e-branco, apresenta duas gravuras e duas esculturas de Amilcar de Castro, mais duas gravuras de Richard Serra e uma gravura de Eduardo Chillida. Nesta sala, são questionados volumes, matéria orgânica e caminhos trilhados, feitos como sulcos ou atalhos, cavocados no meio de grandes massas.
A segunda sala enfoca a delicadeza nos traços, linhas finas colocadas em movimento, por meio das gravuras de Alexander Calder e Waltércio Caldas.
No meio do caminho, literal e geograficamente, está uma obra escultórica de José Resende. Entre as duas salas da exposição está sua construção, feita com uma borracha negra, encharcada de óleo e grudada heterogeneamente a uma placa de vidro.
Preciosa, a obra de Resende, criada originalmente em 1983, faz a ponte entre o que é bi e o que é tridimensional. Não se trata de um desenho ou gravura, mas, "sanduichada" entre duas paredes de vidro, ela é bidimensional. Portanto, não pode ser classificada como escultura. Nem uma coisa nem outra, a obra resume e fecha a exposição, desmistificando a aplicação de rótulos pré-estabelecidos aos trabalhos contemporâneos.
O trabalho desponta como mais um elemento para reflexão no âmbito da classificação de mídias artísticas.
Reforçada na preocupação de uma curadoria com bases teóricas, essa é uma exposição de galeria, mas bem que poderia estar, mais aprofundada, entre as quatro paredes de um museu.

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