São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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Arida fabrica planos e crise cambial

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

Em julho de 1984, Pérsio Arida tinha 32 anos e parecia ter menos. Era professor de economia na PUC do Rio e consultor de governos e empresas, o que o levava a circular na ponte-aérea Rio-São Paulo-Brasília. Expressão distraída, carregava papéis e disquetes numa mochila e o "walk-man" para ouvir música clássica.
Quem via a figura desembarcar em algum gabinete jamais poderia imaginar que sua mochila, pendurada nas costas, continha idéias revolucionárias para a teoria econômica internacional.
Também jamais poderia imaginar que, em algum lugar do futuro, na condição de presidente do Banco Central do Brasil, ele poderia ser responsabilizado por uma medida cambial considerada como desastrosa, responsável pela sangria de alguns bilhões de dólares do caixa do país.
Ou mais: que, no futuro, o promissor economista, teria que comparecer algumas vezes (na sexta, foi convocado mais uma vez) ao Congresso para esclarecer suspeitas de vazamento de informações privilegiadas do BC para alguns bancos que operam com câmbio.
Mas, voltando no tempo, o próprio Pérsio tinha percepção daquele embaraço para explicar suas idéias.
Por isso, iniciava sua exposição tratando de desarmar o interlocutor. "São umas idéias novas, no início podem parecer estranhas, mas se você pensar vai ver que faz lógica", explicava.
Fazia lógica e era uma tremenda novidade. Tratava-se da teoria da inflação inercial, desenvolvida com o amigo André Lara Resende. Propunha a reforma monetária - a criação de uma nova moeda, indexada - para acabar com processos de inflação alta e crônica.
A teoria fez carreira acadêmica e política. No primeiro caso, teve sua estréia internacional em 14 dezembro de 1984, num seminário em Washington, no Instituto de Economia Woodrow Wilson, justamente para debater a idéia.
Para uma platéia ilustre, incluídos dois Prêmio Nobel de Economia, Arida e Lara Resende apresentaram sua proposta, ali mesma batizada: "Larida".
No Brasil, a teoria fez rapidíssima carreira política. Em fevereiro de 1986, menos de dois anos depois de formulada, já estava transformada no Plano Cruzado, de sucesso efêmero, porém.
Tempos depois, refletindo sobre o fracasso do Cruzado, Arida observou: "Não era a teoria que estava errada. É que foi mal implementada e as condições políticas não estavam maduras para um plano desses".
Efetivamente, não estavam.
Em 1984, Arida fazia parte do grupo então denominado "economistas de oposição". Eram os acadêmicos que combatiam o regime militar e o seu então ministro do Planejamento, Delfim Netto.
Quando começou a formar seu ministério, Tancredo Neves ouviu todos esses economistas de oposição. E, conservador, achou uma "loucura"ás idéias de desindexação e reforma monetária.
Recusou-se terminantemente a colocar André Lara Resende no governo e pediu a João Sayad, designado ministro do Planejamento, que nem falasse no assunto reforma monetária.
Mas Sayad conseguiu colocar Arida como secretário especial no seu ministério, não em funções executivas, mas para "ter idéias".
Pelas voltas da história, aconteceu que Tancredo nem assumiu, Dornelles durou pouco no governo de José Sarney e Arida tornou-se um dos pais do Cruzado e, depois, aos 34 anos, o mais jovem diretor do Banco Central.
Mas a verdade é que, quando o Plano Cruzado foi adotado, a maior parte do governo não sabia bem o que estava fazendo, incluindo Sarney e o então ministro Dilson Funaro.
Tanto que o plano saiu com penduricalhos que não tinham nada a ver com sua lógica, como o congelamento, o abono e o gatilho salarial. E ninguém queria falar em privatização, corte de gastos público e abertura da economia.
Inversamente, Arida acredita que a estupidez não pode prosperar. Hoje, presidente do Banco Central e pilotando uma nova versão, muito melhor, da mesma teoria da desindexação, o Plano Real, Arida aposta nos mesmos princípios: a lógica, o bom senso, a verdade e a transparência têm que prevalecer.
Trata-se, entretanto, de um modo de ver as coisas que, na vida política, pode ser um estorvo.
Na quarta-feira da semana passada, por exemplo, quando o núcleo do governo em Brasília estava assustado com a denúncia de vazamento de informações na política cambial, feita pelo senador petista José Eduardo Dutra, Arida achava que não havia necessidade de responder naquele dia mesmo.
A denúncia era estúpida, os números estavam agrupados de modo errado, de modo que não havia com o que se preocupar, argumentava Arida, segundo o relato de assessores do presidente FHC. No dia seguinte, ele iria à Câmara dos Deputados e esclareceria tudo.
Mas era claro que o governo precisava de uma imediata nota de resposta. Errada ou não, a denúncia de um senador do PT, com documentos capturados no próprio Banco Central, era um poderoso fato político.
Saiu a nota de resposta do governo e, aparentemente, o clima de nervosismo e hostilidade envolveu Arida. Ele parecia diferente no depoimento na Câmara dos Deputados. Ao invés da expressão distraída de intelectual, da voz afável e do raciocínio limpo, Arida mostrou-se bravo, tenso, agressivo.
Sem dúvida, a crise da política cambial afetou Arida. A amigos, ele disse estar passando os piores dias de sua vida. Em certo momento da semana passada, amigos acharam que ele não resistiria. Já na última sexta, dizia, enfático: "Não vou sair coisa nenhuma".
Mas sua ingenuidade política foi também a causa do desgaste que sofreu com a exposição de suas relações de amizade com Fernão Bracher, presidente do Banco BBA, acusado de ter recebido informações privilegiadas sobre a desvalorização do real.
É evidente que, se quisesse passar informações ao amigo, Arida não iria fazer isso na fazenda de Fernão Bracher. Mas é evidente também que o presidente do BC, em qualquer país, não pode ir alegremente à fazenda de um banqueiro, mesmo que não esteja para aplicar uma mudança no câmbio.
Mas ao visitar Bracher e ainda justificar isso com a antiga amizade, Arida manifestava uma típica ingenuidade: achava que ninguém podia pensar mal dele, um homem de vida limpa e transparente.
Se com o Plano Cruzado Arida aprendeu que não basta ter uma boa idéia, com o atual momento deve estar aprendendo que não basta ter bons propósitos.
Não que a política seja um território onde só prosperem os canalhas. O senador Dutra acredita genuinamente que o Plano Real é ruim para o país e por isso pode achar que é correto tentar desestabilizá-lo.
O Pérsio Arida de outros tempos tentaria convencê-lo. O da próxima semana talvez pense como um político: que, no caso, não se trata de convencer, mas de derrotar o adversário e ganhar a opinião pública.
É o que se verá.

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