São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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Correspondente relembra três momentos de emoção

JOSÉ HAMILTON RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma afirmação absoluta: do ponto de vista militar, os EUA sofreram no Vietnã fragorosa derrota, com humilhação e fuga em pânico.
Uma afirmação relativa, que tenho ouvido aqui e ali: do ponto de vista histórico e moral, os americanos ganharam a Guerra do Vietnã.
Os valores por que lutaram, e por que perderam a vida mais de 51 mil americanos, a quase 20 mil km de casa, é que estão, com o tempo, imperando no país.
O fanatismo ideológico que levou o Vietcong à vitória está-se esmaecendo e dando lugar ao nascimento de um país diferente, quase a rugir...
No momento em que a Folha entrevista um dos maiores estrategistas militares do século 20, um verdadeiro mito (que muita gente pensava já estar morto há muito tempo), eu volto à Guerra do Vietnã e relembro três momentos dela. Hospital de campanha
Era o dia 31 de março de 1968. Eu já estava quase bom, depois de passar por 11 cirurgias e recobrar minha capacidade de movimentar-me por minha conta, nem que fosse, provisoriamente, numa cadeira de rodas.
O dia todo no hospital fora de intenso nervosismo porque o presidente dos Estados Unidos, Lindon Johnson, ia anunciar uma decisão: continuariam os EUA na guerra, aumentando o potencial bélico (quem sabe chegando ao ataque atômico) ou, ao contrário, se abririam caminhos de paz?
A televisão transmitiria ao vivo a fala de Johnson, inclusive para nós, lá naquele hospital militar de Nha Trang, no fim do mundo. O pessoal todo parou diante da TV.
Com voz calma e cansada, Johnson anunciou: 1) não seria candidato à reeleição (confessava sua derrota pessoal diante do Viet nã); 2) os bombardeios ao Vietnã estavam suspensos e as negociações de paz começariam imediatamente. O hospital inteiro gritou, sorriu e chorou de alegria. E foi ilusão passageira; a guerra ainda duraria sete anos, com muita dor.
Casa de amigos
Pude participar, antes de meu engajamento ao Exército dos EUA (como correspondente, claro), de um almoço numa família vietnamita comum, de classe média. À mesa, quatro homens —o dono da casa, escritor; um genro, engenheiro; um professor de história e um contador. Comida requintada, com traços de culinária chinesa e francesa (as duas grandes influências culturais sobre o Vietnã). Detalhe: nenhuma mulher.
Ao tempo da guerra, o Vietnã era de um atraso social incrível. Mulher era puro artigo de cama e mesa.
Já melhorou o suficiente?
Hospital, em Chicago
Fui completar meu tratamento num hospital da Marinha dos EUA, em Chicago. Dali pude ver, diretamente ou pela televisão, a reação do povo americano contra a guerra. Foi a primeira vez que o cidadão americano ousou pôr em dúvida uma decisão do seu governo, os jovens rasgavam publicamente as convocações militares, as mães começaram a cobrar seus filhos de volta, e vivos.
O governo acabou cedendo. É por isso que, de certa forma, se o governo perdeu a guerra ("não teve peito de pagar o preço de uma vitória militar", como escreveu um observador), o povo ganhou.

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