São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 1995
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Temeroso, governo contabiliza a maioria

MARTA SALOMON; SILVANA QUAGLIO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo Fernando Henrique vive uma situação inusitada. Embora, na ponta do lápis, possa contabilizar uma maioria favorável às reformas, vive uma espécie de tensão pré-tempestade política.
Sinais insistentes dos aliados e mais do que evidentes da oposição indicam que as reformas entram num período perigoso, em que as circunstâncias têm mais peso sobre a decisão do parlamentar do que propriamente uma opção partidária programática.
FHC não tem certeza, até agora, de que dispõe dos três quintos (ou 60%) de deputados e senadores para mudar a Constituição na extensão e profundidade desejadas pelo governo. Nenhum dos seis partidos que integram a base política do governo —PMDB, PFL, PSDB, PTB, PL e PP— promete os votos de todos os seus parlamentares.
O sinal mais preocupante foi dado na semana passada. O governo não esperava que a emenda que muda a Previdência fosse encontrar problemas na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Encontrou. Foi toda fatiada, contra a vontade do governo, e com o voto do deputado Jair Siqueira (MG), um pefelista.
Ainda que 77% dos parlamentares do partido que responderam à pesquisa Datafolha tenham se mostrado favoráveis a novas regras para a aposentadoria, nada garante que todo o pacote conte com o apoio da legenda.
O PSDB tampouco garante os votos de todos da sua bancada. Ambos os partidos têm pesquisas internas indicando dissensões.
Os governistas admitem o temor e a existência de problemas: "Não acredito que, formalmente, vamos fechar questão", avalia o líder tucano na Câmara, José Aníbal (SP), reconhecendo erros na estratégia governista. "Faltou iniciativa e precisamos sair do declaratório e correr", completou.
Sinais de alerta
Tropeços na política de estabilização da economia, combinados ao entupimento nos canais de comunicação entre o governo e o Congresso, estremeceram a credibilidade de FHC.
"O clima político não é bom", constatou o deputado Ney Lopes (PFL-RN), relator da emenda constitucional que põe fim ao tratamento privilegiado às empresas brasileiras de capital nacional.
Embora comande a negociação de uma emenda com um dos menores graus de rejeição, Lopes adverte para o perigo das insatisfações localizadas. "É preciso ter cuidado: político não vota contra determinada matéria, mas contra as circunstâncias", afirma.
"O clima já esteve mais favorável às reformas", analisa o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), relator da emenda que quebra o monopólio estatal nas telecomunicações.
A chiadeira no PMDB é diretamente proporcional ao tamanho da bancada —o partido é o maior do Congresso. O problema, segundo Geddel, é que FHC perdeu a aura conquistada com a vitória no primeiro turno das eleições: "O governo está incolor, insípido e amorfo", diz.
Mais otimista, o líder do PFL, Inocêncio Oliveira (PE), confia em que a base governista vai se acalmar. "O rio que tinha transbordado já volta ao leito normal."
O que o governo percebeu quando finalmente apresentou as primeiras propostas de emendas à Constituição é que a pretendida relação "institucional" com os partidos é uma fantasia.
Como os partidos governistas não vão fechar questão (impor o voto às bancadas), FHC teve de sair a campo para conquistar os votos no varejo. "Cada parlamentar é um partido", teoriza o deputado Raul Belém (PP-MG).
Na contabilidade do governo, as eventuais defecções poderiam ser compensadas com votos conquistados entre os partidos não alinhados. Mas a oposição faz o mesmo tipo de contabilidade para a votação de matérias como a quebra dos monopólios.
Para o líder do PDT, deputado Miro Teixeira (RJ), a Câmara se divide em três grupos: cem são radicalmente contra a reforma, cem são radicalmente a favor, e outro grupo de 313 definirá o destino das emendas. O ônus é do governo, lembra o líder do PT na Câmara, Jacques Wagner (BA), integrante de um movimento contra a quebra dos monopólios.
"Só precisamos ter 40% dos votos para que a Constituição continue como está". A diferença da oposição é que seus partidos estão decididos a votar unidos.

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