São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 1995
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Indústria elimina emoção com estética-produto

LUIZ FERNANDO CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

1895-1995! O cinematógrafo está fazendo cem anos. Para os americanos da festa do Oscar isso, na verdade, parece ter muito pouca importância. O que importa é o negócio, um grande negócio e apenas deles. Com uma média feita aqui e outra ali, a festa é especialmente fria e técnica para com aqueles que tiveram o privilégio de ser convidados a aumentar consideravelmente os seus cachês: os atores.
Parece o troco da indústria: as aparições dos atores se aproximam de merchandisings.
Tudo é produto, os cabelos loiros, os vestidos longos e quase sempre parecidos uns com os outros, os olhos, os dentes brancos, tudo. Os mais inibidos "travam" diante do teleprompter e não conseguem disfarçar sua tensão. O resultado é mecânico. A beleza perde o seu sentido e tudo acaba em desfile de moda. Isto é cinema? Isto é indústria.

Fotograma vivo
Eu fico ali, ingenuamente, diante da TV, esperando por apenas um minuto em que toda essa máscara caia e um átomo de vida apareça, um fotograma vivo apareça, mas tudo é encaixotado como um grande produto de uma cara só. E, nesse sentido, a indústria da TV e a indústria do cinema se dão as mãos. E como se parecem!
Em pleno Oscar, TV e cinema são pais legítimos do mesmo filho: o produto.

Ftutro Oscar
Assim serão escolhidos os próximos projetos que concorrerão aos futuros Oscars: roteiros-produto, para eles serão escalados atores-produto, diretores-produto e trilha sonora-produto. Nada pode desapontar a estética-produto. Até mesmo o que for considerado "novo" deve ser reintegrado à estética-produto, ou não sobreviverá.
Assim será com Tarantino e assim não será com Kieslowski. Tudo isso é, e será sempre, regado por longas séries de piadas sem graça, até para eles mesmos.
É a piada-produto: um certo acordo de mau gosto no humor.

Estética do coração
Graças a Deus entra em cena um ator de verdade: Tommy Lee Jones. Nem chega a importar tanto o que ele fala, mas como fala, como olha, como caminha até o microfone. É como se, humildemente —e talvez não haja outra forma de fazê-lo—, num só golpe, humanizasse tudo aquilo.
Como dizia Machado de Assis, é a "estética do coração".

Imagem-produto
Nessa necessidade de quebrar, até mesmo de forma inconsciente, a imagem-produto que a indústria concebe para os atores, alguns não foram tão felizes. Foi o caso de Martin Landau.
Engolido pelo tempo-produto, sua ansiedade como artista não foi respeitada. Assim ficamos sem "ver" Martin Landau. Vimos apenas o produto Martin que gostariam que víssemos, preconcebidamente. Um botão na mesa de corte fez com que a imagem de Landau se desfizesse antes que corresse o risco de ser humanizada. Não vejo o fato como uma simples falta de tempo para os agradecimentos, mas como a constatação de que na indústria um produto, seja ele qual for, não pode ter alma. (Rótulo sim, alma não.)
Identidade
Mais uma vez, Letterman com suas piadas. Ele exalta que o Oscar está sendo visto por 1,5 bilhão de pessoas em todo o planeta. É uma pena que se esqueçam que nada comunica melhor que a emoção, e que ela precisa ser respeitada e identificada também como discurso artístico.
As piadas dariam tempo e lugar para a emoção, essa sim, a verdadeira identidade/língua entre os telespectadores. Mas a câmera não nos mostra o que queremos ver. Queremos ver de perto nossos mitos. E ver de perto significa também ver por dentro. O texto é lido, impessoal. A entrada final de Al Pacino e De Niro é prova clara deste distanciamento-produto. Pareciam dois dublês.

Antonioni
Eis que entra em cena um grande ator: Jack Nicholson. Ele lida com habilidade sobre o preestabelecido.
Ele apresenta para aquele grande público o sr. Michelangelo Antonioni. E apresenta mesmo, pois certamente a grande maioria ali não deve ter visto nem sequer um de seus filmes.
Antonioni não fala mais; parece um personagem vítima de sua própria ficção: o silêncio. Novamente a emoção surge. "Quando não sei o que fazer, começo a olhar...", dizia Antonioni.

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