São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 1995
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O dono da escola

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO — Greve de professores em São Paulo está virando Carnaval ou Semana Santa: todo ano tem. Ou, pelo menos, todo governo tem a sua greve de professores, enquanto os ex-governadores ficam discutindo quem foi o melhor governador para o professorado, ou seja, quem pagou os melhores salários.
Discussão boba porque, pelos padrões salariais vigentes, vê-se que o professorado ganha uma miséria, o que leva a crer que greve vai continuar havendo indefinidamente.
No fundo, todos os que ocuparam cargos governamentais nos últimos 30 anos são culpados da inacreditável proeza de destruir o ensino público no curtíssimo espaço de uma geração.
Eu fiz todo o curso primário, secundário e o então científico em escolas públicas. Meu irmão, quatro anos mais novo, também. Apesar disso, ou talvez por isso, nenhum dos dois teve maiores problemas nem no vestibular nem no mercado de trabalho.
Em momento algum discutiu-se na família a hipótese de estudarmos em escolas particulares.
Já meus filhos e meus sobrinhos estudaram a vida toda em escolas particulares e jamais se colocou a hipótese de transferi-los para uma escola pública. Nem mesmo quando nos mudamos para Buenos Aires, em 1981, se cogitou de escola pública, embora, naquela altura, a Argentina ainda mantivesse um padrão razoável no ensino público.
Que os governos sucessivos têm alta dose de responsabilidade, não há dúvida alguma. Mas resta saber até que ponto os professores e a própria sociedade não foram coniventes com a destruição. Ou, no mínimo, passivos.
Posso estar sendo injusto, mas me parece que o conceito de escola pública foi atropelado pelo de escola do governo. Ou traduzindo: a própria sociedade (professores inclusive) não parece ter claro que a escola é dela e não de um "dono" ausente e omisso, o governo.
É óbvio que o prolongado período autoritário certamente contribuiu para essa situação. Mas, dez anos depois de restaurada a democracia, ou se retoma o conceito de escola pública como ele deve ser encarado ou vai-se ficar rodando de greve em greve, com salários sempre achatados e o ensino cada vez mais precário. E as vítimas são os únicos inocentes, as crianças.

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