São Paulo, segunda-feira, 3 de abril de 1995
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Criativo versus criativoso

WASHINGTON OLIVETTO

Na publicidade, quando alguém quer copiar alguma coisa, mas pretende emprestar um pouquinho de dignidade a esse gesto, diz que está seguindo uma tendência.
Isso faz com que publicidade de boa qualidade acabe gerando sem querer publicidade de péssima qualidade. Alguns exemplos: os outdoors com apliques.
Participei da criação do primeiro deles, anos atrás, na DPZ. Francesc Petit e eu estávamos lançando o produto Chancy da Chambourcy. Criamos um comercial que mostrava um menino andando pelas ruas. De repente, ele via um outdoor com um pote de Chancy delicioso. Subia no outdoor, pegava a colherona que estava dentro do pote e comia o produto.
Nada mais natural que, depois de o filme já conhecido, fizéssemos um outdoor com o garoto montado lá em cima. A peça foi um grande sucesso. Tão grande que de lá para cá surgiram milhares de outdoors (pouquíssimos bons) com apliques.
Vira e mexe, falta uma boa idéia para um outdoor e alguém coloca um aplique. Na verdade, um aplique no cliente.
São aqueles outdoors onde fica claro que o marceneiro é melhor que o redator e o diretor de arte.
Outro exemplo: os fundos de anúncio com cores berrantes que o Marcello Serpa andou usando com extrema pertinência e que de repente começaram a surgir numa porção de anúncios sem razão nenhuma, no máximo, conseguindo atrapalhar a mensagem ou disfarçar a falta dela.
O mesmo, aliás, ocorreu com algumas tipografias diferenciadas que o Jarbas Agnelli inventou de usar em layouts perfeitos como os da Hyundai ou da campanha "Sede é Soda" e que agora já enfeitam ou decoram uma série de anúncios que não têm a mínima razão para receber aquela tipografia.
Outra aberração que tem ocorrido com frequência são as campanhas que, ao invés de venderem o produto, vendem a categoria do produto.
São campanhas onde se vende andar de carro ao invés da marca do carro que está pagando o anúncio, beber água ao invés do engarrafador daquela água, e assim por diante.
Fazer propaganda assim é fácil e pode até ser adequado em países que estão no seu primeiro estágio de consumo, onde a primeira função da propaganda é comunicar que aquela categoria de produto agora existe.
Não é o caso do Brasil, um país que, apesar dos seus inúmeros problemas de distribuição de renda, conta com um marketing extremamente sofisticado e uma competição bastante acirrada entre marcas há muitos e muitos anos.
Enfim, são inúmeros os casos onde se confunde publicidade criativosa com criativa, mas mais importante do que ficar denunciando o fato de essas aberrações existirem é tentar descobrir porque elas existem.
Talvez uma explicação seja o fato de muitos publicitários consumirem como informação mais publicidade do que vida real e, a partir daí, começarem a colocar publicidade ao invés de vida nos seus trabalhos.
Talvez o fato também de os publicitários conviverem exageradamente com outros publicitários, o que explica inclusive o grande número de campanhas que falam sobre a própria propaganda, desconhecendo frontalmente o consumidor.
Por isso, defendo loucamente que qualquer campanha publicitária tem a obrigação de falar a linguagem do produto, do público e do país onde ela está sendo veiculada.
Por isso, luto para que os festivais tenham apenas peças que foram veiculadas e chego até a enxergar como mérito quando uma peça que foi brilhante junto ao consumidor do seu país não é premiada por falta de entendimento do contexto por parte dos jurados internacionais.
A praga da publicidade fantasma, criada apenas para festivais, tem atrapalhado o desenvolvimento da publicidade de verdade em todo o mundo e ajudado a implantar picaretagens apelidadas de tendências.
Outro dia mesmo fui visitado por um simpático e talentoso representante da propaganda sueca que estava de passagem pelo Brasil.
Ele me mostrou um rolo de comerciais que deixava claro que a publicidade nórdica está progredindo muito, mas, no meio deles, um comercial me causou estranheza.
Trata-se de um filme onde um sueco acorda de porre, pega uma guitarra e começa a compor um blues desesperado, como é bastante comum na cultura e nos comerciais ingleses.
Como nós sabemos, suecos fazem muitas coisas, mas não compõem blues pelas manhãs.
Na verdade, a minha estranheza tinha uma explicação. O comercial era literalmente para inglês ver. Em festivais.

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