São Paulo, segunda-feira, 3 de abril de 1995
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Centenário ganha primeira lista latina

Brasil tem a maior representação

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Saiu a primeira contribuição latino-americana para a febre de listas dos melhores do centenário do cinema. Cineastas e críticos que vão participar entre 25 e 30 de abril do ciclo "O Cinema Latino-Americano: Os Próximos Cem Anos", no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, elegeram os nove grandes clássicos produzidos ao sul do rio Grande.
Em ordem cronológica, a relação é: "Ganga Bruta" (Brasil, 1933), de Humberto Mauro; "Vamonos com Pancho Villa!" (México, 1935), de Fernando de Fuentes; "Vidas Secas" (Brasil, 1963), de Nélson Pereira dos Santos; "Tire Die" (Argentina, 1965, curta-metragem), de Fernando Birri; "Terra em Transe" (Brasil, 1967), de Glauber Rocha; "La Hora de los Hornos" (Argentina, 1968), de Fernando Solanas; "Memórias do Subdesenvolvimento" (Cuba, 1968), de Tomás Gutierrez Alea; "Fuera de Aqui" (Bolívia, 1977), de Jorge Sanjines; e "Frida, Naturaleza Viva" (México, 1985), de Paul Leduc.
Comentários imediatos: primeiro, a lista cacifa a produção engajada dos "cinemas novos" dos anos 60 como os anos dourados do cinema regional (cinco em nove títulos).
Segundo, os gêneros mais populares, como o melodrama mexicano e as chanchadas nacionais, foram olimpicamente esnobados.
Terceiro, o tão subvalorizado cinema brasileiro confirma sua primazia, com um terço dos filmes.
Quarto e último, a forte produção documental foi atirada a segundo plano, com apenas dois títulos (o curta "Tire Die" e "La Hora de los Hornos") -cadê "Cabra Marcado para Morrer"'(Brasil, 1984), de Eduardo Coutinho, e os clássicos revolucionários de Santiago Alvarez?
Todos os filmes estarão na principal das duas mostras sediadas pelo CCBB ao lado de um ciclo de debates. Evitando o tom excessivamente nostálgico, o evento preparou uma segunda retrospectiva com filmes que apontam para o futuro do cinema na região, reunindo títulos como "Cronos", do mexicano Guillermo del Toro, e "El Lado Oscuro del Corazon", do argentino Eliseo Subiela.
Ninguém menos que o escritor e ex-crítico de cinema Gabriel García Márquez vem participar da mesa de abertura do festival. Márquez já adiantou o espírito de sua fala no fax que enviou à organização do evento, em que dubiamente classifica o centenário do cinema como "cem anos de escuridão".
O mestre colombiano não enviou propriamente uma lista de preferidos, mas referendou a já preparada com um senão: estranhou a falta de "Vidas Secas", que com seu voto alcançou o número mínimo para justificar sua inclusão.
García Márquez estará ao lado de Fernando Birri e de Antonio Callado, colunista da Folha. Espero que Callado cobre do autor de "O Amor nos Tempos de Cólera" (aliás, espetacularmente traduzido por ele) uma cinefilia menos jurássica que a de seu colega de ofício e desafeto de carteirinha Guillermo Cabrera Infante.
O Mais! especial com textos e listas de Infante (26 de março) mais parecia celebrar o cinquentenário do filme, com sua ilimitada idolatria para a Hollywood clássica dos grandes estúdios.
Justiça seja feita, não se trata de uma síndrome específica de Cabrera Infante. A imensa maioria das listas promovida pela atual febre centenária subvaloriza o cinema contemporâneo; as "novas ondas" dos anos 60, como a Nouvelle Vague francesa e os "cinemas novos" da América Latina, parecem ser o divisor de águas entre o cinema "bom" e o "mau". A lista revelada acima vem apenas reafirmar a regra numa dimensão regional.
Tudo se passa como se a moderna cinefilia fosse cega ao seu presente. Talvez mesmo só na primeira geração hollywoodiana -a de Frank Capra, John Ford, Howard Hawks, John Huston, reforçada pela legião européia de Alfred Hitchcock, Fritz Lang, Joseph Mankiewicz e Billy Wilder- houve tantos talentos reunidos.
A obra de cineastas como Francis Ford Coppola, Brian DePalma, George Lucas, Martin Scorsese e Steven Spielberg forma um bloco de coerência, competência e vigor somente repetido no cinema industrial americano pelo grupo de pioneiros. Se é inequívoco que houve uma infantilização e banalização da produção média americana, parece impossível não reconhecer que a nata da produção mantém-se num patamar elevadíssimo.
Vivemos uma era de ouro do cinema e é triste que esse centenário não acorde o mundo para isso. Pelo jeito, o despertador só vai tocar mesmo na cabeça dos cinematequeiros do século 21.

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