São Paulo, segunda-feira, 3 de abril de 1995 |
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Eugénia aportuguesa Vinicius de Moraes
LUÍS ANTÔNIO GIRON
Mas o trabalho traz mais. Eugénia chega aos seu oitavo título com a interpretação consolidada. Os arranjos e os músicos que a acompanham nas 15 faixas pertencem ao último andar da MPB. Cada faixa tem instrumentação diversa. O pianista Wagner Tiso assina 13 arranjos. Os outros são de Paulo Jobim e Egberto Gismonti. "Canção do Amor Demais", com Gismonti, é feio e destoa da base acústica do CD. Gismonti toca um sintetizador flácido e harmoniza como um mestre-escola. É exceção. Nas outras faixas, o violonista Marco Pereira e os clarinetistas Paulo Moura e Paulo Sérgio Santos (leia texto abaixo) fazem maravilhas de precisão. O efeito é erudito. Eugénia quer arrancar das canções o componente bossa-novístico para revelar a densidade harmônica oculta sob toneladas de síncopes e canto plano. Adota o canto impostado. Soprano, muitas vezes faz abordagens clássicas. Em vez de abolir o vibrato e aplicar o clima cantinho-violão típico das composições, Eugénia recua ao momento logo anterior ao nascimento da bossa nova. O disco lembra muito "Canção do Amor Demais", com Elizeth Cardoso. Neste LP, lançado em 1958, poucos meses antes da gravação de João Gilberto, Elizeth lança o que viria ser o primeiro clássico da bossa nova, "Chega de Saudade", cantando-o como se fosse o "Réquiem" de Verdi. Era quase um disco de recital com poemas de Vinicius de Moraes (1913-1980). À maneira de Elizeth, Eugénia carrega na dramatização declamatória. As letras de Vinicius se tornam mais parnasianas. Para isso, escolheu as canções mais lentas. A voz impostada de soprano e a pronúncia portuguesa ajudam a criar um novo perfil do poeta. A cantora translada sonoridades e cria estranheza. Letras criadas para o campo sonoro do português brasileiro passam ao ambiente mais consonantal do de Portugal. Para o ouvinte brasileiro, canções como "Eu Sei Que Vou Te Amar" ecoam como paródia. Ela abre o CD com um prelúdio de piano apoiado num longo pedal a cargo de oito cordas. Eugénia explora os agudos e "rouba" os tempos originais, criando uma tensão entre letra e música. A segunda faixa,"Canta Mais", traz voz e piano de Tom Jobim. Como todo o disco, a música foi gravada em agosto último no estúdio da gravadora no Rio de Janeiro. A sessão emociona. Tom envolve com contraponto cerrado a voz da cantora. Expande os limites harmônicos da composição. Um dos hábitos de Tom era substituir constantemente as traves verticais de suas músicas. A intérprete caçou aves raras na obra do poeta, como "Amor em Lágrimas", com música do compositor erudito Claudio Santoro e "Medo de Amar". Esta, composta só por Vinicius em 1962, não ganhava versão melhor desde Elizeth. Eugénia mostra sobriedade, enquanto percorre os largos intervalos com nitidez. O disco ajuda a derrubar a imagem de bonomia do "poetinha". Eugénia troca-a pelo retrato "noir" do vate metafísico. Vinicius ressurge na fantasia do desencantado com a vida e "clown" das paixões. Eugénia deixa a bossa nova mais sombria. Disco: Eugénia Melo e Castro canta Vinicius de Moraes Lançamento: Som Livre Quanto: R$ 13,00 (o CD, em média) Texto Anterior: Banda leva surf music urbana ao Palace Próximo Texto: Clarinetista extrai ouro puro do choro Índice |
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