São Paulo, quarta-feira, 5 de abril de 1995
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Reforma da Previdência: A revolução invisível

THOMÁS TOSTA DE SÁ

A implantação do Real, em julho de 1994, teve o efeito imediato de colocar a inflação num plano inclinado, que a traria de um desastroso patamar de 48% ao mês para o nível bem mais confortável de 1%, registrado em fevereiro deste ano. Muito mais que isto, entretanto, a nova moeda tem significado o marco inaugural de nova etapa na história da sociedade brasileira -o início de uma política de resultados já visíveis na melhor distribuição da riqueza nacional, sobretudo para assalariados e, entre eles, os de mais baixa renda.
Mas, se este é apenas um primeiro passo, resta agora dar sequência e consequência à iniciativa. Caminhar no sentido de uma medida que possa consolidar esse processo de transferência de renda que, em síntese, nada mais é que a busca da justiça social. E se a moeda nova foi esse primeiro passo, um segundo, cujo impacto socioeconômico promete ser amplo e definitivo, pode perfeitamente ser a reforma da Previdência. Não se trata, com ela, de apenas mudar critérios e cálculos de aposentadoria, como parece que tem sido a tônica da discussão em torno do assunto. A reforma da Previdência, ao se inserir no contexto da continuidade do Plano Real, do combate à inflação, da transferência e melhor distribuição da renda nacional, é um imperativo de justiça num país de maioria esmagadoramente pobre.
Nesse sentido, de torná-la justa do ponto de vista social e atuarialmente viável sob a ótica financeira, é que o Executivo encaminhou ao Legislativo duas propostas de alteração no sistema da Previdência Social. Uma, dependente de revisão constitucional, cuja tramitação deverá ser mais demorada; e outra emergencial, que se condiciona apenas por mudanças na legislação ordinária. Para ambas, o titular da pasta da Previdência apresentou um grande número de justificativas, amplamente divulgadas.
Diante delas, é quase que um imperativo rever não só um modelo previdenciário, mas sua própria ideologia. E rever também conceitos como aquele, tão propalado na década de 70, pelo qual se sustentava que, na repartição da riqueza nacional, era preciso "deixar o bolo crescer para depois dividi-lo". Obviamente inaceitável, esse conceito era um reflexo do impacto do modelo paternalista autoritário, cujo ciclo, iniciado na década de 30, acabou criando um modelo de capitalismo estatal absolutamente anacrônico nos dias de hoje.
Com sua inatacável lucidez, Peter Drucker já dizia, na década de 70, em seu livro "A Revolução Invisível", que no mundo há dois modelos econômicos disputando a primazia: o capitalismo estatal, praticado na União Soviética e na maior parte dos países em desenvolvimento, e o socialismo de mercado, viabilizado nos Estados Unidos pelos fundos de pensões. Atual, e ainda refletindo uma realidade muito evidente no mundo de hoje, essa afirmação, quando emparelhada com o tipo de capitalismo que se pratica e em que se vive no Brasil, parece indicar que o surgimento, entre nós, desse socialismo de mercado a que se refere Peter Drucker só se viabilizaria na hipótese de se ter a reforma da Previdência.
Mas que modelo seria esse que, além de viabilizar a Previdência na travessia rumo a um futuro que hoje parece tão ameaçado, pudesse dar à sociedade brasileira a certeza da estabilidade? A nós parece que o desejável é um modelo de capitalização, obrigatório e contributivo, que ofereça o mesmo tipo de cobertura do atual sistema, até um teto de dez salários mínimos, e que abra a alternativa de constituição de poupança adicional para coberturas além desse teto. Por outro lado, haveria a necessidade de o sistema propiciar cobertura mínima para aqueles que, tendo atingido já idade de aposentadoria, não tenham conseguido constituir sua poupança, para que sejam atendidos pelo sistema.
Diante dessa proposta, e da aparente plausibilidade de sua discussão e aceitação por parte da sociedade, a questão que se coloca é de qual seria esta cobertura mínima e como financiá-la. Por ser universal e não necessariamente contributiva, teria que ter um teto de um a dois salários mínimos, com o seu custo de financiamento diluído por toda a sociedade, de forma transparente no orçamento fiscal. A reforma da Previdência, portanto, que desejamos é aquela que nos leve gradativamente à conquista de um mínimo padrão de certeza frente ao futuro, sem ferir, entretanto, os direitos adquiridos daqueles que já estão no sistema. Que permita a superação do que no modelo atual é socialmente injusto, sobretudo com o pobre, e que contribua para o aumento da poupança nacional.
E aqui está um outro argumento amplamente favorável à reforma da Previdência, se considerarmos que, com o aumento da poupança, aumentaremos os investimentos e a geração de empregos. Para este particular aspecto devem se voltar as preocupações dos legisladores, dos formadores de opinião, dos planejadores e executores das políticas de governo. A todos impõe-se a força da constatação de que um país não se autofinancia a não ser quando gera poupança de investimento. E que no Brasil os níveis de poupança, que já atingiram entre 25 e 27% do PIB, encontram-se, hoje, estaqueados em torno de 20%.
A relevância da análise muito cuidadosa desses índices é evidenciada numa comparação com o que ocorre nos países asiáticos, que vêm apresentando as taxas de crescimento mais aceleradas do mundo e onde podem ser apontadas as seguintes taxas de poupança em relação ao PIB:
Por todas essas razões é que é preciso mostrar à sociedade que a reforma da Previdência, em lugar do monstro tantas vezes apresentado ao povo pela precipitação e pela falta de aprofundamento na crítica, é uma proposta de modernização de um sistema vital para a saúde econômica e social do país.
E a responsabilidade pela informação correta a respeito da reforma da Previdência não compete só ao governo. É de todos nós, que temos a obrigação e a oportunidade de modernizar um modelo que ou se moderniza, e se torna mais compatível com a realidade nova do país, ou perece em meio a discursos, na tentativa impatriótica de manter privilégios que custam caro. Custam a falência do próprio sistema previdenciário.

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