São Paulo, quarta-feira, 5 de abril de 1995
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Entre chantagem e traição

É inquietante a notícia publicada ontem por esta Folha segundo a qual governadores e parlamentares nordestinos estão tentando articular a volta do Ministério do Interior em troca do apoio à proposta de reforma tributária do governo, por ora desconhecida em seus detalhes.
Um tal comportamento, lamentavelmente incorporado aos usos e costumes políticos nacionais, não poderia ser mais daninho para a idéia de convívio democrático e auto-regulatório entre os Poderes.
Em primeiro lugar, os políticos envolvidos nessa articulação querem a volta do Ministério do Interior não por razões programáticas ou por acreditarem que a pasta ajudaria a promover o desenvolvimento do país, mas simplesmente porque a Secretaria de Desenvolvimento Regional (a sucedânea do ministério) está submetida ao Ministério do Planejamento, que, corretamente, não vem liberando as sempre tão almejadas verbas para obras paroquiais.
Para esses políticos, é como se todo o esforço de austeridade para a estabilização monetária não fosse um imperativo, um pré-requisito para qualquer esforço real de desenvolvimento. Para eles o que importa são verbas que lhes garantam votos e a criação de mais um cargo forte, com direito a uma miríade de postos de escalões inferiores.
Igualmente grave é a idéia de as bancadas se comprometerem a aprovar um projeto que simplesmente ignoram. O Congresso tem o dever de apreciar e debater cada uma das propostas que lhe são apresentadas. As agremiações não podem sair por aí assinando cheques em branco para o Executivo.
Aliás, é o baixíssimo grau de fidelidade partidária existente no país que permite esse tipo de barganha fisiológica. Se os projetos fossem analisados pelas legendas à luz de sua plataforma e não do interesse individual de cada parlamentar, o espaço para o paroquialismo pródigo e a fraude seria infinitamente menor, com enormes ganhos para o conjunto da sociedade.
Infelizmente, não é o que ocorre. A maioria dos congressistas prefere atuar transitando perigosamente entre a chantagem contra o governo e a traição ao eleitor.

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