São Paulo, quarta-feira, 5 de abril de 1995
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Senado a cabo

O plano do Senado de montar um canal de TV a cabo provavelmente causou estranheza. A tradição política do país é tão triste que a primeira reação é a de suspeitar de que a iniciativa se reduzirá a um instrumento de autopropaganda a ser pago pelo contribuinte.
A idéia porém merece uma consideração mais detida. A lei que regulamenta a TV a cabo no país, aprovada no ano passado, obriga as empresas operadoras a reservarem alguns canais para instituições como o Senado, a Câmara, o Executivo federal etc. O dispositivo visa a criar um elo mais direto entre tais entidades e os cidadãos.
Transmissões ao vivo de debates e votações trariam ainda uma transparência inédita e sempre bem-vinda ao funcionamento do Poder Legislativo. Poderiam mesmo estimular uma melhoria na qualidade dos trabalhos, já que eventuais questiúnculas provincianas, proposições disparatadas ou mesmo ausências seriam veiculadas para todo o país.
Como bem se sabe, porém, é fácil desvirtuar uma boa idéia no momento de dar-lhe forma concreta. É possível que, em vez de sessões ao vivo, prefiram transmitir programas gravados de autoglorificação. Seria provavelmente inútil, já que tal prática tenderia a solapar tanto sua audiência quanto sua credibilidade.
Mais grave é o risco de que a nova atividade dê ensejo a mais um enorme cabide de empregos, distorção pela qual o poder público brasileiro -e o Legislativo em especial- demonstra insuperável apreço. Se não haverá custo de transmissão (segundo a lei, realizada gratuitamente pela concessionária), o custo de produção poderia avançar os limites do razoável.
Um meio de evitar esse risco seria terceirizar a produção dos programas. Faz-se uma licitação e a melhor proposta vence, dispensando o Senado de contratar quem quer que seja -inclusive parentes e amigos- para essa finalidade.
Se a idéia é teoricamente positiva, o encaminhamento da produção do material será importante para esclarecer a real intenção dos senadores com a TV a cabo: se querem mesmo aproximar-se dos seus eleitores ou só mais uma desculpa para empregar apaniguados com dinheiro retirado do nosso bolso.

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