São Paulo, quinta-feira, 6 de abril de 1995
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Trekkies enlouquecem com nova jornada

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Foi o momento mais sombrio das vidas dos fãs de "Jornada nas Estrelas".
O capitão James Tiberius Kirk, na pessoa do ator humanóide que o representa, William Shatner, estava furioso. Uma série de perguntas idiotas formuladas por fãs imbecis, obcecados por detalhes triviais, provocou sua reação irada:
"Eu só gostaria de dizer", ele vociferou, "vivam suas vidas, pelo amor de Deus! Afinal de contas, pô, FOI APENAS UM SERIADO DE TV!", gritou Shatner aos fãs chocados.
Bem, Joãozinho, vai ver que você mesmo é fã de "Jornada nas Estrelas", ou trekkie (do nome original, "Star Trek"). Se for, vai ficar radiante ao saber que o seriado de TV "Jornada nas Estrelas" cresceu, virou adulto e vai passar num cinema perto de sua casa dentro de alguns dias.
O filme se chama "Jornada nas Estrelas - A Nova Geração" e reúne, finalmente, os capitães Kirk e Picard -o George Washington e o Abraham Lincoln do espaço sideral. Trata-se do sétimo filme "Jornada nas Estrelas" desde 1979. As coisas não mudaram muito nesse tempo -o vilão ainda é um cientista louco que não pretende deixar que algumas centenas de milhões de vidas humanas o impeçam de conquistar sua felicidade.
A boa notícia é que o filme é bastante engraçado. Ele oferece uma boa dose do velho humor do "show business" hollywoodiano, em escala galáctica.
A má notícia é que é lento e pedante. Quem faz o papel do vilão, Dr. Soran, é Malcolm McDowell, que fez um fantástico bandido 24 anos atrás em "A Laranja Mecânica", de Stanley Kubrick.
Ele não passa tempo suficiente na tela para representar uma ameaça de verdade. Mas passa tempo suficiente na tela para proferir jóias filosóficas soporíferas tipo: "O tempo é um predador que persegue todos nós".
Tio Dave aproveitou para tirar uma pestana.
Até a presente data, a franquia "Jornada nas Estrelas" já faturou mais de US$ 2 bilhões sob a forma de seriados de TV, filmes, livros, brinquedos, jogos e CD-ROMs. Se tudo sair como a Paramount deseja, ela vai continuar tirando leite da vaca por prazo indeterminado.
A história teve início em 1966. De tempos em tempos ela cansa seus fãs mais ardorosos -quanto mais os não-trekkies, como você e eu, que não saberíamos distinguir um "phaser" (arma) de uma pitanga. O mundo "Jornada nas Estrelas" deve ser o universo ficcional mais mapeado que já foi criado. Os manuais e guias técnicos continuam se proliferando, como cupins em época de acasalamento.
E não dá para não se perguntar o que se passa nas cabeças de pessoas que ficam acordadas até tarde estudando o "The Star Trek Encyclopedia", um tomo de 400 e tantas páginas que tio Dave guarda debaixo da cama para manter os borgs afastados à noite. A pesada enciclopédia tem 5.000 verbetes sobre cada planeta, aparelhinho ou teoria já mencionada no seriado.
Certa vez, um grupo de cientistas reclamou com Gene Roddenberry (o criador de "Jornada nas Estrelas", já morto) sobre uma cena em que o capitão Picard visitava a França e olhava o céu noturno. Os cientistas disseram que, segundo seus cálculos, as estrelas não poderiam estar naquelas posições na França no século 24.
Já foram impressos mais de 63 milhões de livros "Jornadas nas Estrelas". Novos títulos -baseados em episódios passados de "Jornadas"- são lançados num ritmo de mais de 30 por ano.
A lista de pessoas que alimentam essa indústria com sua devoção profundamente fiel atinge a casa dos milhões. No topo dela figuram as celebridades: o general Colin Powell é um dos que assistem ao seriado, além de Robin Williams, Mel Brooks, Frank Sinatra, Bob Dylan e Henry Kissinger. Este último não despreza uma festa de graça -qualquer dia desses ele vai dar as caras aqui no Brasil.
Provavelmente o mais impressionante fã é o britânico Stephen Hawking, físico e autor best seller "Uma Breve História do Tempo". Hawking, figura incapacitada fisicamente, que vive numa cadeira de rodas, participou como convidado de um episódio de TV de "A Nova Geração", jogando pôquer com recriações holográficas de Albert Einstein e sir Isaac Newton.
O humor parece constituir uma parte vital do mundo "Jornada nas Estrelas". Basta uma olhada na estranha maquiagem que caracteriza os seres do espaço sideral para convencer o espectador de que tem sorte em ser um mero terráqueo.
Os klingons, por exemplo: suas testas ostentam uma espécie de aparência de fora para dentro mais apropriada ao sobrevivente de um acidente grave na marginal do Tietê. Uma Jennifer amiga minha, trekkie de longa data, suspira e fala: "Esses klingons têm cara de quem recebeu um soco na cabeça com um chocolate Mars Bar derretido".
David Letterman, o equivalente gringo a um cruzamento entre Gabi e Jô, tem sua lista própria de piadinhas perversas sobre as "Jornadas" e os jornadeiros. Letterman diz que a gente percebe quando está numa má convenção de trekkies quando se conta as orelhas postiças pontudas, estilo dr. Spock, e o número resultante é ímpar. Ele diz que também é ruim quando você dá de cara com um trekkie sem calças, querendo mostrar seu "phaser" pra você.
Atendendo aos interesses do único leitor desta coluna que NÃO é trekkie, tio Dave compilou uma lista de explicações que vão ajudá-lo a entender o filme "Jornada nas Estrelas - A Nova Geração".
1) Data - um robô que se esforça para ser uma pessoa de verdade. Pense em Al Gore.
2) Klingons - ex-inimigos que agora são nossos amigos. Também os consultores de maquiagem das garotas que frequentam o Kilt Club.
3) Velocidade "warp", ou "dobra" - mais rápida do que a velocidade da luz. Você precisa tomar cuidado para não se cegar com seus próprios faróis.
4) Deep Space Nine - onde personagens estranhos e nefários do universo inteiro se encontram. Para pessoas que nunca se hospedaram num hotel em Times Square, Nova York.
5) Starfleet Command (comando da frota estelar) - emite ordens desde uma distância de 50 mil parsecs. "Recepção clara, mensagem recebida. Batatas fritas acompanham o pedido?"
6) Kirk versus Picard - a discussão diz respeito a quem é o melhor capitão. Deve ser fácil descobrir. Quem tem a... nave espacial maior?
Antes de chegarmos à grande pergunta da semana -"Será que assisto 'Jornada nas Estrelas - A Nova Geração' ou não?"-, tio Dave quer compartilhar com vocês um furo exclusivo referente à corrupção em "Jornada nas Estrelas". Se você é um trekkie de verdade você já vem acompanhando o ator Patric Stewart, que faz o papel do capitão Jean-Luc Picard, bebericando chá na TV há mais ou menos sete anos.
Bem, lá longe no espaço sideral as coisas funcionam do mesmo jeito que em Brasília ou em Washington, D.C.
O ator recentemente recebeu um aparelho de chá de ouro 22 quilates, todo ornamentado, do sexto Earl Grey, ou conde Grey, membro da Câmara dos Lordes britânica. O aparelho de chá, com xícaras e pires, vale US$ 495. Parece uma recompensa pequena por fazer propaganda do famoso chá Earl Grey na televisão nacional.
Aposto que nós aqui conhecemos alguns legisladores que poderiam dar ao capitão Picard algumas dicas sobre como subir seu preço.
Tradução de Clara Allain

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