São Paulo, sexta-feira, 7 de abril de 1995
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O cartesianismo de Jatene

LUÍS NASSIF
O CARTESIANISMO DE JATENE

O ministro da Saúde Adib Jatene tem um estilo cartesiano de encaminhar propostas. Ele apresenta problemas e sugere soluções. Depois, espera para colher as críticas, que ajudam ou a aprimorar ou a enterrar a sugestão. Se enterram, ele explica que era só uma sugestão, mas o problema continua. Esse jogo obriga a um confronto racional de idéias.
Sua posição em relação ao pagamento "por fora" a médicos de hospitais públicos segue esta linha.
Problema: falta de recursos orçamentários para a saúde. Nenhum hospital que dependia exclusivamente de recursos públicos deu-se bem. Como descascar o pepino?
Seu modelo ideal é o Instituto do Coração, de São Paulo. Com receita proveniente de 20% dos clientes (convênios e pessoas físicas), sustenta-se a qualidade para os 80% restantes, atendidos pelo SUS.
Fundos de pesquisa
O modelo foi idealizado em 1958, por Dante Pazzanese e Mendonça de Barros (pai dos Mendonças economistas), que convenceram o então governador Jânio Quadros da necessidade de encontrar saída para a crise crônica dos hospitais públicos.
A lógica de Pazzanese era a de que, se o hospital público fosse de boa qualidade, seria procurado por quem tivesse recursos. Se pudesse cobrar de quem pudesse pagar, geraria recursos complementares, geridos pela instituição -através de fundos e pesquisa-, para atender a quem não podia e aprimorar cada vez mais os serviços.
Esse modelo é que permitiu a excelência dos institutos Agronômico, Pasteur e Biológico, diz Jatene. E sua decadência começou quando os fundos foram eliminados, na reforma administrativa do governo Sodré.
Dentro desse modelo, em vez de proibir o médico de cobrar de pacientes, dever-se-ia obrigá-lo a trazer pacientes para os hospitais públicos, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos.
"Quem traz o cliente é o médico, não o hospital", diz Jatene. "Se o médico não puder cobrar de quem puder pagar no hospital público, ele vai transferir os clientes para os hospitais privados". O resultado é que a rede pública acaba formando mão-de-obra e transferindo clientela para a iniciativa privada.
O que o ministro sugere -e enfatiza que é uma "sugestão"- é que se pense em trilhar essa alternativa.

Virtudes e defeitos
O modelo tem a virtude de ser auto-sustentável. Mas encerra distorções graves. A maior delas é conferir um poder excessivo ao corpo médico de hospitais públicos e universitários e Santas Casas.
Os institutos que gravitam em torno da Universidade de São Paulo são dominados por grupos organizados de acadêmicos. Sua estrutura é utilizada para trabalhos privados e gozam de autonomia quase absoluta.
Além disso, há uma tendência invencível de médicos se juntarem em grupos corporativos e passarem a monopolizar a estrutura não só dos hospitais públicos como das Santas Casas.
Está certo, deve pensar o ministro. Mas o problema da falta de recursos continua. O que se sugere?
O modelo proposto pelo ministro Jatene merece ser considerado, com um aprimoramento essencial: o sistema de poder tem que ser independente da estrutura médica, para impor como parâmetro essencial os interesses dos usuários.

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