São Paulo, sexta-feira, 7 de abril de 1995
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Mercado de 'pulp fiction' agoniza no país

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Yes, nós tínhamos "pulp fiction". Os autores brasileiros da ficção barata que inspirou o filme de Quentin Tarantino, "Tempo de Violência" (Pulp Fiction), são hoje uma espécie em extinção.
As editoras -Nova Cultural, Nova Leitura e Monterrey- que ainda publicam livros de papel vagabundo e teor idem, como "westerns" e romances "femininos" ("Sabrina", "Júlia") que podem ser encontrados nas bancas, agora quase só editam traduções.
Entre outras razões, isso ocorre porque o mercado brasileiro de livros baratos (de R$ 1,30 a R$ 3,00) sofreu grande baixa há três anos -quando José Carlos Ryoki de Aloim Inoue parou de escrever para essas editoras.
Em sua própria avaliação, Inoue escrevia 95% desses livros. O livro "Guinness" dos recordes não o deixa mentir: ali ele consta como o escritor que mais livros escreveu.
Hoje está no 1.034º, "Herança Maldita", que a editora Carthago & Forte lançou esta semana.
Desde o nº 1.000, porém, Inoue não faz mais livros baratos. Escreve romances de 300 páginas, sob temas diversos (leia texto à pág. 5-3), e o preço é alto -R$ 25, no caso de "Herança Maldita".
Inoue concorda que os autores brasileiros de ficção barata estejam sumindo. "Esse negócio hoje é uma troca de cebola", diz.
O editor da Nova Leitura, Nildo Rodrigues Vicente, também se mostra desanimado. "O custo da edição aumentou e as vendagens caíram", conta. A venda de um livro hoje gira em torno de 5.000 exemplares; no final dos anos 80, ia de 8.000 a 10 mil.
Além disso, editoras como a Cedibra publicavam 1 milhão de exemplares por mês nos anos 60. A Nova Leitura publica hoje cerca de 50 mil. "Não surgiu uma nova leva de leitores", diz o editor.
Os seis autores de sua folha de pagamentos já são velhos, como os irmãos Rocha, do Espírito Santo, ou estão trocando de gênero, como Júlio Emílio Braz, que agora escreve infanto-juvenis para editoras grandes como a FTD.
Braz diz que ainda escreve alguns livros "pulp", mas só "por prazer". Ele também acha que o mercado está agonizando. A Folha apurou que ele ganha apenas R$ 20 para escrever um livrinho desses. "Está acabando", diz.
Essa espécie em extinção já teve seres vistosos. A ficção barata é uma criatura americana dos anos 20 (leia texto abaixo), mas os poucos brasileiros que a praticaram fizeram jus ao estilo.
Entre eles estavam Nelson Rodrigues, o dramaturgo de "Vestido de Noiva" e "Álbum de Família", e David Nasser, o famoso jornalista de "O Cruzeiro".
Nelson, sob o pseudônimo Suzana Flag (cuja paternidade ele odiava que revelassem), escreveu em 1944, para ganhar uns trocados, "Meu Destino É Pecar", um folhetim melodramático de muito sucesso -vendeu 50 mil exemplares em cinco meses.
Por sua vez, Giselle de Monfort -na vida real, David Nasser- assinava "pulp" puro.
O título do primeiro livro de Monfort era "Giselle, a Espiã Nua que Abalou Paris". Nele, fotos de modelos, feitas pelo documentarista Jean Manzon, davam o toque de sensualidade.
O tom erótico-policial característico da ficção barata ainda teve representantes nos anos 70, como Silvam Paez, criador do detetive João Juca Júnior. Nos anos 80, reinou Inoue. Hoje, não restam monarcas nesse reino decadente.
LEIA MAIS
sobre "pulp fiction" brasileira à pág. 5-6

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