São Paulo, sexta-feira, 7 de abril de 1995 |
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Bryan Ferry repassa carreira e conjura o antigo espírito do pop
LUÍS ANTÔNIO GIRON
Ele repete a dose hoje, às 22h. O show faz parte da turnê "Mamouna", que divulga o último CD do músico. Domingo, canta no Rio. Pobre Ferry. Sua roupa, som e composições sobre dúvidas de amor estão vencidos. São agora catalogados como bregas, segundo a lei das inversões súbitas de sinais que tem regido o pop e o gosto do público nas quatro últimas décadas. O "cool" é o antigo regime. Até Fábio Júnior é "cool". Ferry chegou a São Paulo com dez anos de atraso. Sua voz suave de barítono foi o talismã daqueles que hoje ingressam na linha de sombra da maturidade. Tivesse vindo em 1985, teria bem outra recepção. O show se pautou pelo saudosismo dos anos 80, dançado por trintões azafamados em agradar o ídolo primevo. Como os modelos findam com uma velocidade cada vez maior, os entusiastas de Ferry já agiam como anciãos. Batiam palmas tímidas, agitavam os braços como crentes de uma religião perdida, nostálgicos da década que parece hoje mais próxima da de 50 do que da de 90. O som da casa, cheio de reverberação, prejudicou um pouco o desempenho do músico e do afiado sexteto que o acompanha. O sombreado dominou a noite. Em uma hora e 40 minutos de duração, Ferry repassou a carreira, iniciada em 1971, e interpretou 18 músicas. Dançando meio desengonçado, de braços abertos e o cabelo caindo pela testa, ele percorreu do animado art-rock "Virginia Plain" (1972), do primeiro single do grupo Roxy Music, que Ferry liderou até 1982, até as canções de "Mamouna", pontuadas de lentas hesitações. Galgou na lembrança o auge da carreira com "Slave to Love" (de "Boys and Girls", de 1985) e "Avalon" (do derradeiro LP do Roxy Music, de 1982). Concentrou-se num transe em "Jealous Guy", de John Lennon, e "Can't Let Go", citação ao Roxy Music. Os arranjos seguem o modelo criado por Ferry e Brian Eno para Roxy Music: bateria funk, guitarra rítmica duelando com a guitarra solo, baixo jazzístico, muito teclado sustentando notas em pedais largos e uma vocalista negra. Fletcher acompanhou o Roxy Music na turnê "Avalon" de 1982 e sabe imitar os acordes sustentados em fermata (sinal que prolonga indefinidamente a duração de uma nota) típicos de Brian Eno. O guitarrista David Williams é preciso. Mas peca por repetir à náusea uma "beliscada" nos graves (principalmente em "Mamouna" e "Avalon"). A vocalista Audrey Wheeler primou pelos gestos afetados e a discrição -única forma de dialogar com Ferry. Este procurou dosar as nuanças e explorar a sua capacidade de infiltrar o timbre quase imaterial na trama dos teclados e guitarras. Essa qualidade prossegue intacta. Só ela justificaria assistir ao show. Outro mérito reside na história. Ferry pertence a um tempo em que os astros recebiam flores das fãs, cumprimentavam a platéia, acenavam para os críticos e principalmente não tinham medo da melodia romanticóide. O show é simples no cenário. O único efeito especial é um punhado de purpurina que o cantor joga na platéia. Mil vezes reproduzido por grupos como Duran Duran, Wham!, Depeche Mode, Pet Shop Boys e até Leandro & Leonardo, o estilo de Bryan Ferry soa puído para quem não o conheceu no nascedouro. Mas se trata de um alicerce do pop que deve ser respeitado para além das faixas etárias. Show: Bryan Ferry Quando: hoje, às 22h Onde: Olympia (r. Clélia, 1.517, tel. 011/252-6255) Quanto: de R$ 20 (setor B) a R$ 60 (camarote) Texto Anterior: Carlinhos Brown comanda a noite Próximo Texto: Ferry ainda incorpora crooner "cool" Índice |
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