São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995 |
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Sobre o drible e a pelada
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
A trama para atingi-lo, as táticas e estratégias para conquistá-lo, as sequências de passes, as evoluções, os avanços e recuos, o envolvimento que leva, enfim, à meta: é o amor que entra em campo, com suas atrações e armadilhas. E o drible, o que é? O drible é o erotismo do futebol. O erotismo, ensina o poeta e ensaísta mexicano Octavio Paz, é sexo em ação, mas, por desviar-se ou negar a reprodução, suspende a finalidade do ato sexual. É o prazer que perdeu-se do alvo. Na sexualidade, o prazer volta-se para a procriação; nos rituais eróticos ele é um fim em si mesmo. E o drible vale por si mesmo. Claro que nada supera uma sequência de dribles que termina em gol. Mas o drible sobrevive longe da trave, ao largo do gol. E nesta sua esterilidade é capaz de provocar êxtase. Como diz Paz, "a esterilidade não é só uma nota frequente do erotismo, mas também, em certas cerimônias, uma de suas condições". Um exemplo recente: Brasil x Uruguai, no Rio, Maracanã lotado, estréia de Romário na futura seleção tetracampeã. Sua primeira jogada é um "chapéu" aplicado sobre um uruguaio. Arquibancadas vieram abaixo: o drible, que consiste em passar a bola sobre o adversário e pegá-la do outro lado, sem deixá-la tocar o chão, não resultou em gol. Não foi executado para resultar em gol. Era puro erotismo. Pura poesia. Pois na poesia, como no drible, a língua também desvia-se de seu fim natural: a comunicação funcional. Entre todos os grandes mitos da bola, caberá sempre a Garrincha o lugar do mais erótico dos jogadores. O craque, nascido em Pau Grande (RJ), que brevemente merecerá uma esperada biografia, a cargo do jornalista Ruy Castro, entrou para a história como um insuperável driblador. O repertório que Garrincha desfilou pelos campos de todo o mundo compõe o kama-sutra do futebol. Muito pouco erótico deverá ser o embate entre políticos numa partida de futebol, marcada para hoje, em Brasília -embora dele possa-se ter a certeza de que será uma gloriosa pelada. Executivo e Legislativo andam muito mais para uma troca de caneladas do que para um bom entrosamento. Se a política fosse futebol, o governo FHC estaria fazendo um melancólico início de campeonato. O time, apesar de contar até com alguns craques, ainda não convenceu. Falta comando e entrosamento. Na área política continua a sequência de derrotas no Congresso, a mais recente imposta pela esquadra ruralista. No campo econômico, as dúvidas permanecem e como já anunciou a ministra Dorothéa -visivelmente fora de forma- especulações serão inevitáveis. O questionário circula de boca em boca: O aumento das alíquotas de importação foi suficiente para reverter o quadro de déficit no comércio externo? Não será inevitável um novo choque nas importações ou uma nova mudança na banda cambial? Uma outra desvalorização da moeda não iria detonar a volta da espiral inflacionária? E as medidas para conter o consumo, foram eficazes? As perguntas vêm das arquibancadas, num momento delicado para o Plano Real e a credibilidade do governo. Claro que ainda há muito jogo pela frente. Mas, como se sabe, futebol é uma caixinha de surpresas. Texto Anterior: Telefônicas dos EUA querem usar sistema Próximo Texto: Contas da Força Sindical têm auditoria Índice |
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