São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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Maneiras de velha gaiteira

MIGUEL DO SACRAMENTO L. GAMA

A senhora d. Briolanja conta já mais de 12 lustros: já andava na escola, quando governou Pernambuco o general José César de Menezes, e já era madura, quando apareceu aqui o Zabumba pela primeira vez: está calva, como uma ratazana, e os poucos grisalhos, que lhe restam, parecem não já cabelos, porém sim samambaia: e desta matéria julgo ser feito o crescente, e cestinho, com que atavia a engraçada cabecinha. Os olhos já se lhe vão escondendo para dentro das duas furnas, em que moram, e parece, que se ressentem do retiro pelo muito que estão remelando: a tez é mais encolhida que a de um jenipapo bem maduro; os beiços sumidos assemelham-se a um debrunzinho de fita de linho: na boca apenas lhe moram três dentes chocalheiros, mais meio dente, e um resto de raiz: pendem-lhe do enrugado gasnate perigalhos, como de um boi velho: os bracinhos são tripas de galinha, as mãos são um par de disciplinas, o colo é ocupado por duas bruacas engilhadas; é uma Teséfone enfim, e é gamenha; quer parecer bem, e atrair amantes.
Não há moda, que a bruxa não ponha em si: despe-se e atavia-se ao espelho, e está tão familiarizada com a idéia da morte, que mira-se a sangue-frio sem correr de si mesma. Se vê olhar atentamente para ela algum moço, que naturalmente está admirando, a cascata, ou rindo daquela cantimplora, já que persuade, que filou um amante, o qual está se derretendo por ela; e em consequência desse erradíssimo juízo faz carrancas, e bicos, revolve os remelosos olhos, atira olhaduras de porco, parece endemoninhada. Não anda esta coalheira sem espartilho, e anquinhas, como se a morte procurando ser garbosa não se tornasse mais horrível. Se há de dizer singela, e verdadeiramente, que padece terríveis hemorróidas, finge estar incomodada de indisposições só a moças concedidas.

Trecho extraído de "O Carapuceiro", de Miguel do Sacramento Lopes Gama

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