São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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A política que envolve o clima

SILVIA BITTENCOURT
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BERLIM

As dúvidas dos cientistas quanto às mudanças climáticas não significam que elas não trarão consequências e que os governos podem adiar medidas concretas para o combate ao efeito estufa, que ocasiona o aquecimento da Terra.
A opinião é do meteorologista indiano N. Sundararaman, secretário do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), instituição que há seis anos oferece à ONU subsídio científico para a sua política de proteção ao clima.
Sundararaman participou da 1ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Berlim, que terminou nesta sexta-feira.
Numa entrevista à Folha, o meteorologista disse que mais de 1.500 cientistas de todo o mundo estão envolvidos no trabalho do IPCC, que no final deste ano divulgará um amplo relatório (o segundo da instituição) com os mais novos resultados sobre mudanças climáticas.
Entre as pesquisas que o IPCC avaliará e deverá incluir em seu relatório, está a do Instituto Max-Planck de Meteorologia, de Hamburgo, divulgada há poucas semanas (leia texto abaixo).
Coordenada pelo professor Klaus Hasselmann, este novo estudo mostra que, muito provavelmente, o homem é o principal causador das mudanças climáticas nos últimos 30 anos.
Sundararaman afirmou que toda pesquisa passa por um longo processo de avaliação antes de entrar no relatório do IPCC.
Ele também rebateu a crítica de Richard Lindzen, pesquisador do MIT (Instituto de Tecnologia do Massachussetts), segundo o qual a instituição ignora suas opiniões sobre mudanças climáticas. "Geralmente, só consideramos estudos publicados em revistas especializadas", disse.

Folha - Quais são os critérios do IPCC para selecionar as pesquisas científicas que são citadas no seu relatório?
Sundararaman - Bom que você faz está pergunta, porque geralmente há dúvidas sobre nosso trabalho.
Primeiro, os governos decidem suas metas, baseadas no nosso relatório anterior. É feito um plano de trabalho. Daí reunimos para cada capítulo do relatório um time de redatores, escolhidos a partir de lista fornecida pelos governos.
Também consultamos, nesta fase, outras organizações. Cada time é constituído por cerca de cinco pessoas. Pelo menos uma delas vem de países em desenvolvimento. Em alguns times, há duas ou três pessoas dos países em desenvolvimento.
Folha - Há brasileiros envolvidos?
Sundararaman - Muitos. Por exemplo, Gylvan Meira Filho (chefe da delegação brasileira na Cúpula do Clima). Precondição para um trabalho ser aceito é a publicação numa revista científica.
Só fazemos exceções no caso de cientistas de alguns países em desenvolvimento, que têm mais dificuldades de publicar. Os especialistas escrevem seus capítulos, que depois enviamos para revisores.
Estes também constam da lista de nomes dos governos. Fazemos então mais uma revisão dos manuscritos, de acordo com as sugestões dos revisores, e enviamos aos governos, para que eles ouçam os seus próprios técnicos.
Revisamos de novo os manuscritos, de acordo com as sugestões, e lhes enviamos definitivamente para os governos, para aprovação.
Folha - Os governos têm então muita participação nesse processo. Eles não podem privilegiar os cientistas que lhes convêm, ignorando os que eles não gostam e que podem ser bons?
Sundararaman - É verdade. Por isso nós obtemos listas de outras organizações, como o Greenpeace, o WWF (Fundo Mundial para a Natureza).
Nós não pedimos nomes só para os governos, mas para muitas outras instituições. Só não trabalhamos com organizações pequenas, que não conhecemos bem.
Mas para aquelas bem estabelecidas, com especialistas, também mandamos textos para revisão.
Nós nos preocupamos com a influência dos governos, que têm a tendência de julgar de forma política. Por isso temos duas rodadas de revisão, uma com especialistas de todo o mundo e outra com os governos. Assim nos protegemos.
Folha - Richard Lindzen, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), critica o IPCC por não considerar suas opiniões. Isto ocorre mesmo?
Sundararaman - O Lindzen critica o IPCC desde o primeiro dia, muito pela imprensa. Se ele tivesse publicado um trabalho numa revista científica, que tivesse sido revisado, ficaríamos mais do que felizes de considerá-lo.
Já lhe respondemos, mas não pela imprensa. Infelizmente, ele não ficou satisfeito.
Folha - Mas ele nunca publicou?
Sundararaman - Não nesta matéria. Ele é um cientista bem conhecido, mas não em modelos climáticos.
Nesta área, há muitos especialistas que o criticam. Infelizmente sobre isso ele não fala. Ele é um grande cientista e poderia contribuir muito. Mas ele não quer se envolver.
Geralmente, só consideramos estudos publicados em revistas especializadas. Ele deveria publicar seus resultados, daí seria mais fácil para nós.
Folha - Há muita controvérsia entre os trabalhos científicos que vocês recebem?
Sundararaman - Sim. Nossos estatutos dizem que, no caso de uma controvérsia científica, não devemos esconder o conflito, mas sim publicar as duas opiniões.
Folha - Quantas pessoas trabalham para o IPCC?
Sundararaman - Em nossa sede em Genebra somos dois membros do "staff" e duas secretárias com meio expediente. Temos cerca de 300 cientistas redatores, entre eles cerca de 130 dos países em desenvolvimento.
São cerca de 1.200 a 1.500 os especialistas encarregados da revisão. No total, cerca de 2.000 pessoas que trabalham para o IPCC.
Folha - Segundo relatório do IPCC, a grande dúvida hoje é a gravidade e a rapidez das mudanças climáticas. Os cientistas estão longe de uma resposta?
Sundararaman - É difícil dizer. Sabemos que os gases do efeito estufa estão aumentando na atmosfera e que, quando isto acontece, ocorre um aquecimento global. Sabemos também que qualquer aquecimento global terá algumas consequências.
Folha - Quais são as dificuldades dos cientistas?
Sundararaman - São três. Primeiro, há sempre um atraso nos sistemas climáticos. Isto você pode constatar, por exemplo, na temperatura diária.
A temperatura máxima da atmosfera ocorre das 14h às 16h. Mas a radiação máxima do Sol acontece ao meio-dia, porque só aí sua posição é perpendicular à superfície.
O mesmo é válido para a reação do clima aos gases do efeito estufa, só que o atraso é de algo entre 50 e 1.000 anos.
Folha - Isto significa o quê?
Sundararaman - Que estamos vendo, no máximo, 50% dos efeitos dos gases que já foram emitidos e que os outros 50% ou mais vão ocasionar mudanças no futuro.
Folha - E outras dificuldades?
Sundararaman - O efeito estufa é parcialmente impedido por aerosóis atmosféricos, que por sua vez agem para impedir que a luz do Sol atinja o solo.
A duração de aerosóis importantes é, no máximo, de três anos. Em alguns casos, duram apenas semanas. Mas gases como o CO2 duram mais de 150 anos.
A emissão de aerosóis tem sido reduzida por alguns fatores, como a chuva ácida. Isto pode, no futuro, reduzir o efeito "máscara" que os aerosóis tinham sobre o efeito estufa.
A terceira dificuldade é a larga variabilidade no clima. Hoje o dia está lindíssimo, talvez esteja totalmente diferente daqui a um ano, muito mais frio ou quente.
É um grande desafio ver o que realmente acontece por trás da variabilidade. Hoje, isto não está claro. Mas vamos chegar lá.
Folha - Políticos, empresários e mesmo cientistas usam a incerteza como argumento para adiar medidas. O que você acha?
Sundararaman - Se esperarmos até termos certeza das coisas, talvez seja tarde demais. Está claro que as consequências das mudanças climáticas podem ser muito prejudiciais.
Temos que tentar fazer avaliações com riscos, definir o que pode significar esses riscos. As incertezas sobre as mudanças climáticas não significam que elas não acontecerão.
Folha - Muitos grupos ambientais estão decepcionados com a falta de medidas concretas para a proteção do clima.
Sundararaman - A reação às mudanças climáticas é um processo muito extenso e nós só estamos começando. As pessoas têm que ser cautelosas. Há um desejo de ir para frente. Mas os países têm interesses diversos.
Alguns podem desaparecer com o aumento do nível dos mares, outros podem sofrer uma deterioração na sua agricultura, outros podem até se beneficiar com as mudanças climáticas. No geral, sou otimista. Estamos apenas começando.

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