São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Poder Judiciário e ditadura

CAETANO LAGRASTA NETO

O cidadão, na social-democracia, assim como em qualquer regime democrático, deve contar com o respaldo do Poder Judiciário. Isto porque o Executivo não pode pretender resolver os problemas institucionais e políticos prescindindo dos demais Poderes.
A miséria e a fome do povo, a pressão do empresariado e dos credores externos, não devem obrigar o executivo social-democrata a legislar através de medidas provisórias (MPs), de duvidosa relevância e urgência, sob a alegação de que os demais poderes não estão correspondendo à velocidade necessária para que o país escape aos fantasmas da derrocada econômica e de uma eventual hegemonia da esquerda ou da extrema direita.
Assim, ao contrário do que afirma, malvada e desinformadamente, certo senador, não existe a intromissão indevida do Judiciário no Legislativo. Há, isto sim, uma tentativa de submissão de ambos ao Executivo.
Tomemos novamente o exemplo das MPs, expedidas de forma inconstitucional, sem preencher os requisitos de relevância e urgência ou que se perpetuam, através da mecânica reiteração e sem a observância do prazo constitucional de 30 dias para aprovação o rejeição pelo Congresso.
Ante estas circunstâncias, passa o Executivo a legislar através das MPs, restando ao Legislativo a função de espectador; enquanto que ao Judiciário, em razão da reforma constitucional, sobrará o exercício privilegiado da jurisdição, por alguns poucos julgadores, através da avocatória e das súmulas vinculantes.
Neste ponto, convém que o Poder Judiciário resista e fique atento aos acenos de independência, para não ser acusado, no futuro, de compactuar com um centralismo decisório, contrário ao Estado de Direito Democrático. Se não resistir à ilusão de liberdade, quando avocar processos que interessem a uma das partes, ou estratificar julgamentos políticos, em súmulas que obriguem os demais juízes, sem dúvida, estará correndo o risco de obstruir a harmonia e independência que deve existir entre os poderes.
Logo, se os parlamentares continuarem a se omitir na regulamentação da Constituição, ou na apreciação das medidas provisórias e o Judiciário, por sua vez, submeter-se às tentações de um ilusório poder, ao prolatar arremedos de decisão, avocando processos ao seu juiz natural e vinculando todos os seus membros a uma única súmula, com certeza, estarão facilitando ao Executivo a prevalência da instabilidade das leis e dos julgamentos, passo decisivo na direção de um regime de exceção.

Texto Anterior: Concerto no Ceará custa R$ 1
Próximo Texto: Pombo-correio é suspeito de enganar polícia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.