São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 1995
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O paradoxo da choradeira

LUÍS NASSIF

A atual crise da agricultura é real, e representa mais uma sequela da política cambial adotada no ano passado. O atraso no câmbio, somado à supressão dos Adiantamentos de Contratos de Câmbio (ACCs) no último trimestre do ano, destroçaram a rentabilidade dos commodities agrícolas (produtos cotados em dólar).
O casamento de taxas de juros estupidamente elevadas com moeda estável arrebentou com as demais culturas. Com inflação, há maneiras (ainda que nocivas) de se driblar taxas reais de juros. Com moeda estável, não tem jeito.
Há ainda a herança de inadimplências anteriores e a tradição histórica de grandes produtores rurais de passar com o trator por cima das promissórias, tratando seus problemas como se fossem questão social.
Descontadas essas distorções, há consistência nas queixas dos agricultores.
Tendo argumentos à mão, a bancada ruralista comportou-se com o despreparo que vem caracterizando a atividade política nas últimas décadas. O problema existe. Por falta de ânimo ou de preparo para encaminhar soluções definitivas, opta-se pelo caminho mais curto: jogar a conta nas costas do Tesouro (isto é, do conjunto de contribuintes do país). Perde-se a razão e apanha-se mais que boi ladrão.

Benefício sem custo
No fundo, recorre-se à mesma lógica matreira e ultrapassada dos Pahins que povoam o Congresso. Legislam sobre despesas, e evitam se pronunciar sobre receitas, porque nesse caso teriam que explicitar direitos ou interesses que seriam feridos por suas reivindicações.
Tome-se o caso do crédito agrícola, especialmente do Banco do Brasil. O dinheiro que vai para o agricultor provém de contas de poupança. Parte dos juros remunera os poupadores, parte fica com o banco. Se se reduzem os juros na ponta do empréstimo, de duas uma: ou se reduzem proporcionalmente os juros na ponta da aplicação (prejudicando todos os poupadores) ou cria-se um buraco que tem que ser financiado pelo governo (prejudicando todos os brasileiro que não tomam crédito rural).
Para ser honesto, o deputado ruralista deveria detalhar de que maneira suas reivindicações seriam financiadas. E dizer com todas as letras: propomos que a redução nos juros pagos por nós seja bancado ou pelos poupadores ou pelos contribuintes.
Obviamente não irão propor redução dos juros da poupança, porque significaria prejudicar uma parte dos poupadores pelas quais a bancada ruralista tem o maior apreço: eles próprios.

Buscar soluções
Recentemente, o Ministro da Agricultura José Eduardo Andrade Vieira, obteve do Conselho Monetário Nacional (CMN) autorização para linhas de empréstimos externos para o financiamento das culturas internacionalizadas. Com isso rompeu-se pela primeira vez, ainda que de maneira parcial, com o velho e moribundo modelo de financiamento agrícola.
Os deputados ruralistas deveriam aproveitar o momento, convocar suas lideranças modernas, e apresentar uma proposta exequível de mudança do modelo. Com isso, livram-se do paradoxo da choradeira: quando não estão chorando pelos seus problemas, são os contribuintes que choram por suas soluções.

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