São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Clientes sem rosto

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Poucas vezes as relações entre o Executivo e o Congresso estiveram tão difíceis. Em linhas gerais, o pessoal do governo trata os congressistas como picaretas fisiológicos que se esquecem da pátria e só pensam em atender interesses paroquiais, na franciscana base do "cadê o meu".
Para começar, o governo, tanto o atual como os imediatamente anteriores, foram formados a partir de congressistas, alguns deles até em gozo de aposentadorias especiais como parlamentares. Sarney, Itamar e FHC fizeram carreira política no Congresso. A maioria dos ministros também. De repente, quando assumem o Poder Executivo, passam a se considerar vestais, só eles sabendo o que a pátria requer, o que o povo precisa. Por princípio, encaram qualquer congressista como um mendigo que vem esmolar um pleito inconfessável.
Evidente que a maioria, quase a totalidade dos congressistas, tem compromissos com suas bases, precisa de cargos de segundo ou terceiro escalões, de estradas a serem asfaltadas, de ambulatórios a serem criados, de escolas a serem reparadas. É o trivial variado da campanha eleitoral.
A turma do governo considera essas coisas miúdas com desprezo, até mesmo com a santa ira dos que não mais precisam pagar esse preço prosaico mas inarredável. Um presidente da República -explicam os arautos do governo- não pode perder tempo com essas ninharias.
Não deixa de ser verdade. Para ser eleito presidente, o ex-congressista -seja FHC, Sarney ou Itamar- foi obrigado a assumir compromissos, esses sim, muitas vezes inconfessáveis. E o preço dos apoios recebidos não foram pontes, escolas ou ambulatórios.
Acusar o Congresso de clientelista é pleonasmo. Ele se forma a partir de representações dos clientes que formam o eleitorado. Todos os ditadores fecharam o Legislativo sob o mesmo argumento. Apenas, os clientes do Congresso são conhecidos e reconhecidos: os eleitores. Já o Executivo tem outros clientes. Clientes sem título eleitoral, clientes sem nome.

Texto Anterior: Síndrome de larva
Próximo Texto: A onda oposicionista
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.