São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 1995
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A onda oposicionista

FLORESTAN FERNANDES

O governo federal está revelando dificuldade marcante de lidar com a oposição. A consagração das urnas pesa sobre a personalidade democrática do presidente, que se encontra portador de uma espécie de manto sagrado. Tende a confundir uma eleição, marcada por arranjos espúrios, oportunistas e de salvação do "status quo", com os efeitos de um plebiscito. Os programas eleitorais continham promessas e os "planos" foram elaborados sob o governo Itamar e pelas atividades posteriores da "equipe econômica".
Os dilemas que se desencadeiam com a oposição de esquerda, de dissidentes dos partidos da ordem ou pelo Congresso precisam ser vistos e enfrentados com serenidade. Não adianta esbravejar. Pois o atual governo carrega em seu bojo contradições insolúveis. Nascido de conciliação mais temerária que a articulada por Tancredo Neves, é manipulado por interesses e objetivos que colocam os principais problemas nacionais fora de foco. Há uma composição porosa de convergências e divergências inconciliáveis, que ferem o governo em sua unidade de ação. Não existe, pois, um bloco de poder com bases políticas sólidas.
Além disso, o Brasil não se encontra tão protegido diante dos dinamismos da economia mundial. A "equipe econômica" -formada por técnicos sem vivência política ou tirocínio prático frente às realidades econômicas- elaborou "planos" conforme paradigmas do FMI, uma instituição medularmente vinculada aos países hegemônicos e seu sistema de poder. Eles prevêem a transformação do país em "nação emergente" -de novo!- e as posições que deverá preencher para saturar as funções de caudatário na reprodução dos centros imperiais. Nada mais, nada menos...
Isso se evidenciou sem que o governo tivesse a competência de adotar medidas urgentes de autodefesa e contra-ofensiva. Ao contrário, submeteu-se aos imperativos daqueles paradigmas, permitindo o desgaste dos tais "planos" e a ameaça de riscos que podem ser medidos pelo senso comum. As repercussões diretas e indiretas implicaram distorções e instabilidades que abalam o país como um todo.
Tem-se combatido a oposição popular, dos partidos de esquerda e do Parlamento, porque ela seria "tardia" e não apresenta alternativas. Ora, essa é literalmente uma concepção provinciana e antidemocrática. As críticas, úteis a qualquer governo que não seja autocrático, para calibrar e fortalecer seus rumos, aparecem como abuso de lesa majestade. Elas ocasionariam o questionamento da legitimidade do governo. E o que seria da legitimidade do PT e outros partidos, se eles próprios sufocassem sua voz?
As críticas emergem num momento em que a oposição parlamentar e a oposição popular carecem uma da outra. E é atribuição governamental proceder de acordo com seus programas, corrigidos pelas insatisfações da opinião pública e da esfera do Legislativo. Esse vem a ser o limite da colaboração recíproca espontânea entre povo, partidos e Congresso.

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