São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 1995
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O governo está vivo

ABRAM SZAJMAN

Noto certa inquietação entre empresários, como bem documenta a imprensa, com receio de que o governo perca sua bússola. Esse sentimento tem sua origem em dois fatos recentes: a desvalorização do real, com a flexibilização do câmbio mediante a adoção do sistema de bandas, e a elevação das alíquotas de importação de cerca de uma centena de produtos.
Em relação ao câmbio, surgiu a dúvida sobre nova desvalorização e o aumento das alíquotas foi entendido, erroneamente, como marcha a ré na política de abertura cambial. Está aí o ambiente ideal para a proliferação dos boatos e a volta das cassandras, com previsões catastróficas comparáveis às que circularam no fim do primeiro milênio da era cristã.
A economia real não endossa os cenários pessimistas oferecidos ao consumo. Nos jornais, revistas e noticiários do rádio e TV, simultaneamente às notícias mais pessimistas, há outras incompatíveis com tal cenário.
Indústrias de grande porte anunciam investimentos e Estados brigam para atrair para seus respectivos territórios, com a oferta de incentivos, as novas fábricas em projeto. Para mim está aí um indício seguro de que a parcela mais significativa do empresariado, sem desconhecer os problemas nem minimizá-los, está certa de que o grau de incerteza quanto aos rumos da economia está dentro de parâmetros aceitáveis e vale a pena apostar em novos investimentos.
O governo contribuiu para o surgimento dessas dúvidas, é inegável. No ano passado, ao perseverar em uma política cambial rígida, permitiu que surgisse um insustentável e genérico aumento do salário real. A demanda, é lógico, cresceu. E não ficou só nisso. Acrescentou outros ingredientes indesejáveis, como a alteração do calendário de redução das alíquotas de importação, escancarando de vez os portos e desestimulando exportações.
A conjuntura internacional favorável estimulou o sonho da cobertura de possíveis déficits comerciais com a continuidade da entrada de capitais. As crises do México e da Argentina, com inevitável repercussão negativa em todos os países ditos emergentes, desfizeram as ilusões. A equipe econômica voltou a pisar no chão.
Os problemas reais, em minha opinião, resumem-se ao risco de descontrole inflacionário, o que traria de volta a indexação, e de crise cambial. Como corolário, o governo poderia adotar remédios inadequados para conter o consumo e provocar uma recessão. As decisões adotadas até agora indicam que esses temores dificilmente se confirmarão. O consumidor miúdo é o responsável pelo aumento da demanda. Esse tipo de consumidor não pode ser contido com medidas monetárias. Os formuladores da política econômica precisam ter paciência para aguardar o efeito das medidas adotadas.
Elevar os juros, como forma de conter consumo, traria consequências desastrosas do lado da produção, diante do matemático aumento dos custos e redução da oferta. O próprio governo seria vítima, uma vez que é o principal tomador de empréstimos. Nesse caso - juros em alta, aumento da dívida pública e freio à produção-, permanece a velha equação não resolvida: a do corte dos gastos públicos.
Disse acima ser um erro imaginar o fim da abertura comercial por causa do recente aumento de alíquotas. O aumento é seletivo; não alcançou bens de capital, insumos industriais e a maioria dos produtos atualmente importados. A vigência do aumento está limitada a um ano. Não é segredo para o governo que exportação também implica em importação e precisamos romper a barreira de balança comercial de menos de US$ 100 bilhões anuais.
Convém distinguir entre estabilidade cambial e rigidez cambial para abandonar de vez o temor de uma crise. A estabilidade, em toda parte, nada tem de câmbio fixo. Há variações diárias e horárias em qualquer mercado de câmbio dos países de economia estável. A estabilidade pressupõe oscilações que acompanhem o ritmo das variações internas e externas da moeda. Por isso, não espero nenhuma alteração significativa do câmbio no curto prazo.
Em suma, os grandes riscos, de crise cambial e descontrole inflacionário, parecem-me afastados. Seria o caso de elogiar o governo por estar vivo, e não de injuriá-lo e acreditar no fim do mundo.

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