São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 1995
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Burundi não é aqui

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA - Recebi fac-símiles e telefonemas, alguns deles desaforados, sobre a minha coluna propondo dura punição (prisão, se for o caso) aos manifestantes que atiraram paus e pedras na comitiva presidencial em Recife. Em suma, consideraram a idéia governista e autoritária.
Lamento irritar ainda mais os leitores já irritados: o problema, aqui, é falta de educação democrática. Culpa em parte da escola (ou falta de) e até dos meios de comunicação. Estranho até como o país -inclusive o governo- reage pacificamente ao tumulto de Recife.
Nos Estados Unidos, um indivíduo chamado Francisco Martin Durán disparou 30 tiros contra a Casa Branca. Foi acusado de tentar assassinar o presidente Bill Clinton e, agora, corre o risco de pegar prisão perpétua. Notem: Clinton não esteve em perigo, estava bem longe, protegido das balas.
O que se deve entender: não está em jogo apenas a integridade de Fernando Henrique Cardoso. Está em jogo, em primeiro lugar, a integridade dos votos dos milhões de eleitores que escolheram um presidente. Em segundo, a integridade de todos os cidadãos, conscientes de que, se um dia atacam Fernando Henrique, outro dia pode ser Lula ou Maluf.
O princípio elementar da democracia é o respeito aos direitos alheios. É isso o que nos diferencia, por exemplo, do Burundi, país da África que assiste a um linchamento étnico.
E, justamente, para que nunca corramos o risco de virar Burundi, temos de dar duras lições aos delinquentes. Uma das mensagens sutis (e calhordas) dos autoritários é passar a suspeita de que democracia e incapacidade de manter a ordem são sinônimos.

PS - Sobre a acusação de governismo, tenho a dizer: cometi em minha vida profissional vários erros, muitos deles provocados por usar mais a paixão do que a razão. Confesso que demorei para aprender o óbvio. Ser independente não é ser oposição, o que muitas vezes agrada a platéia. Ser independente é criticar e, se for o caso, elogiar. Aprendi que o cinismo extremo é tão idiota e deturpado quanto a credulidade extrema. Como se vê, há vantagens em ficar mais velho.

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