São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 1995
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Paz -o fim da rebelião

MARIA IGNÊS BIERRENBACH

A diretriz do direito à vida e da não-violência do governo estadual em relação ao enfrentamento das sucessivas rebeliões havidas nos presídios paulistas pode passar despercebida da sociedade por óbvia, em termos de garantias constitucionais, e por louvável, no que respeita à dignidade dos cidadãos.
Cabe aqui destacá-la, pela firmeza com que vem sendo conduzida. E sabedores todos nós que, em tempos não tão distantes, a sociedade brasileira assistiu, entre perplexa e apavorada, a triste chacina do Carandiru. Acrescente-se a delonga do processo de julgamento na Justiça Militar, que reforça a idéia de impunidade nas questões de violações de direitos.
Enfoquemos como caso emblemático a rebelião no presídio de Tremembé, com 700 presos, que resultou em 12 reféns tomados entre os agentes penitenciários e outros 25 entre familiares dos presos, incluindo mulheres e crianças. A presença dos reféns só aumentava a responsabilidade de quem deveria conduzir o longo e extenuante processo de negociação, centrado no compromisso de salvar vidas, sem comprometer a segurança da população.
As origens da rebelião, como todas as rebeliões fechadas, devem ser buscadas na reprodução da violência dentro do próprio sistema, que gera grupos antagônicos, que acirra conflitos, que tortura, agride e humilha. Esse contexto é habilmente manipulado quando se vislumbra qualquer ameaça à manutenção do status quo, que passa pelo tráfico de drogas e pela corrupção, num sistema impermeável a qualquer mudança.
As denúncias de violências feitas pelos presos, de uma forma ou de outra, são todas procedentes, desde a ociosidade dominante até a demora dos laudos psiquiátricos, que representam às vezes o salvo-conduto para a liberdade.
Em contrapartida, os agentes penitenciários, responsáveis pela guarda dos presos, não têm, em geral, nenhuma formação específica, são mal-remunerados e refletem a pouca ou nenhuma importância a que tem sido relegado o sistema penitenciário. Sua condição expressa os preconceitos de setores da sociedade que vêem no preso um não-cidadão, merecedor de penas cumulativas à restrição de liberdade.
Em Tremembé, estabeleceu-se desde logo o que não seria aceitável em termos de reivindicação: não serão concedidas armas nem transporte para fuga; não é possível fechar o anexo da Casa de Custódia de Taubaté, conforme solicitado. Isso foi informado aos presos, com transparência e tranquilidade, que, então, reformularam seus pedidos para assistência jurídica, assistência médica e transferências para outros presídios, termos perfeitamente negociáveis e até mesmo desejáveis.
É claro que essa negociação se deu num clima de muita tensão, provocações e sob ameaça de invasão da Polícia Militar. A ação estava prevista em todos os detalhes; estavam estabelecidas as condições nas quais deveria ser acionada. Felizmente não foi necessária.
O secretário da Justiça, Belisário dos Santos Jr., e sua equipe assumiram a frente de todo o processo e, com os juízes-corregedores dos presídios e a representação do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, constituíram a comissão de negociação.
A presença do secretário constituiu-se, a meu ver, num diferencial fundamental, ficando explicitada a responsabilização e a linha de comando, oferecendo credibilidade aos agentes policiais e penitenciários envolvidos e confiança aos presos rebelados.
Venceu-se a batalha, mas não a guerra. O sistema penitenciário brasileiro exige uma completa reformulação em termos de conteúdo, métodos e técnicas para romper com o sentido meramente punitivo e resgatar os ideais de ressocialização de uma sociedade empenhada na construção democrática.
Contudo, essa tarefa não se esgota em si mesma, mas extrapola para a instância policial, onde urge cultivar a noção de direitos e cidadania, e para a instância jurídica, desde a necessária revisão das penas -implementando alternativas de prestação de serviços à comunidade- até a informatização e agilização das varas de execução penal.
Após as longas 93 horas de duração da rebelião, os presos levantaram uma faixa para tranquilizar os familiares onde estava escrito: "Fim". E foram felizes ao expressar em outra faixa a emoção que atingia a todos: "Paz".

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